São Paulo, sábado, 10 de abril de 2004

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LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

O lava-pés

A Semana Santa é tempo privilegiado para intensificar a fé e o seguimento de Jesus Cristo. São muitas as lições que aprendemos na palavra de Deus e nas celebrações litúrgicas, ajudando-nos a crescer na conversão pessoal e no zelo missionário.
Nosso povo cristão, além das ações litúrgicas do tríduo da Paixão, morte e ressurreição, dedica-se, com fervor e por longas horas, à adoração eucarística, ao exercício da "via-sacra", acompanhando as estações de Cristo levando a cruz até a crucifixão, e as procissões penitenciais da madrugada. Nas cidades da Arquidiocese de Mariana, entre outras, é forte a tradição das cerimônias da Semana Santa com grande participação popular. Permanece-se fiel à observância do jejum e abstinência. Em muitas paróquias organiza-se a encenação ao vivo dos passos da Paixão.
Tudo nos leva a contemplar Jesus Cristo e a coragem e amor com que assume sua missão redentora. Ensina-nos a enfrentar as dificuldades e desafios sem esmorecer e a modificar nossa maneira de ser e agir para respondermos ao desígnio de nossa salvação, superando o pecado pelo perdão divino e dispondo-nos a amar e a fazer bem ao próximo.
Durante a última ceia com os apóstolos, Jesus insistiu na lição do serviço por amor (Jo, 13, 1-17). Quis lavar os pés dos discípulos, deixando-nos, assim, exemplo de como devemos servir uns aos outros.
O gesto de lavar os pés convoca-nos para imitar o Divino Mestre no serviço humilde e sincero ao próximo. Essa lição é muito valorizada na liturgia da Quinta-Feira Santa. O celebrante lê o Evangelho, cinge-se depois com uma toalha, toma nas mãos o jarro com água e ajoelha-se diante de 12 membros da comunidade, que representam os apóstolos. Lava os pés de cada um. É um momento comovente e que diz muito para o sacerdote e toda a assembléia.
No mundo marcado pelo egoísmo, pelo esquecimento e até pelo desprezo do próximo, Jesus revela a novidade do amor gratuito e serviçal como experiência de alegria do Reino de Deus: "Sereis felizes se fizerdes assim" (Jo, 13,17).
Ao presidir a liturgia, anteontem, na Igreja de S. Francisco, em Mariana, chegou o momento de realizar o gesto do lava-pés diante da comunidade. Ao redor do altar estavam os representantes dos apóstolos com suas túnicas coloridas. Fui, pouco a pouco, lavando os pés dos discípulos. Para surpresa minha e do povo, veio sentar-se entre eles uma mulher pobre, desajeitada e molhada pela chuva. Estendeu seu pé para que o lavasse. Hesitei. Mas logo compreendi a beleza da lição que Cristo me oferecia. Não basta lavar os pés dos que trazem túnicas coloridas e se prepararam para o rito litúrgico.
Temos que abrir o coração e acolher os irmãos mais necessitados e colocarmo-nos a seu serviço por amor.
É preciso ir ao encontro dos miseráveis, dos enfermos, presos e excluídos para a eles servir e lavar os pés.
Assim, o lava-pés e as lições de Jesus Cristo na Semana Santa continuarão a marcar nossa vida pelo ano todo.


Dom Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.


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