São Paulo, sábado, 10 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS / DEBATES

Deve haver controle externo do Ministério Público?

NÃO

Um controle inaceitável

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

A Constituição brasileira denomina seu título IV "Da Organização dos Poderes", e nele engloba: Legislativo (art. 44 a 75), Executivo (76 a 91), Judiciário (92 a 120) e o das Funções Essenciais a Justiça (127 a 135).
No passado, alguns parlamentares entendiam que as funções essenciais à administração da Justiça não representavam funções do poder. Tive mesmo, certa vez, debate com o senador Roberto Campos em que ele defendia a tese de que só o corporativismo dos advogados levara a constitucionalizar a advocacia, o que não ocorreu com nenhuma outra profissão.
Corrigi meu saudoso e insuperável amigo -poucos na história do Brasil foram dotados de inteligência igual-, dizendo-lhe que a nossa profissão era contemplada em apenas cinco artigos (131 a 135 e 103, inc. V), enquanto a dele, de parlamentar, mereceu do constituinte 25 artigos (44 a 69). E expliquei-lhe que, sem advocacia, não há Poder Judiciário, como sem Ministério Público também não o há.
Dessa forma, no título "Da Organização dos Poderes", o Poder Legislativo, o Poder Executivo, o Poder Judiciário, o Ministério Público e a advocacia pública e privada compõem o leque que Montesquieu defendeu para que, na separação dos Poderes, o Poder controlasse o poder.
Ora, é cláusula pétrea a separação dos Poderes, estando o art. 60, par. 4º, inc. III assim redigido: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) III. a separação dos Poderes...".
Nessa separação, à evidência, as funções essenciais -sem elas não há Poder Judiciário- à administração da Justiça estão incluídas no título, ostentando igual relevância à dos demais Poderes.
O controle externo do Ministério Público, portanto, seria tão inconstitucional como o seria o controle externo do Poder Judiciário ou do Conselho Federal da Ordem dos Advogados -que agrega os advogados privados e os advogados da Advocacia Geral da União, os procuradores do Estado e do município e as defensorias públicas.
Todas essas instituições vinculadas à Justiça compõem a organização dos Poderes no Brasil e devem se pautar por controles internos, como por controles internos se pautam os Poderes Executivo e Legislativo -hoje, inclusive, com "poderes", por interpretação isolada da mesa do Senado, de revogar o par. 3º do art. 58 da Constituição, que garantia, no passado, às minorias a faculdade de solicitar instauração de CPIs.
A ingerência de um Poder no outro é deletéria nos regimes presidencialistas. Admite-se nos regimes parlamentares de governo, pois neles a separação não é nítida. O Executivo é formado a partir do Legislativo, a chefia do Estado vem direta ou indiretamente do povo; o Legislativo depende do chefe de Estado ou de governo, que pode dissolver antecipadamente o Parlamento; e, quase sempre, a Justiça é um órgão da administração pública. Em alguns países, como na Itália, o controle externo objetiva a retirada do Poder Judiciário da subordinação ao Ministério Público, como forma de lhe dar maior independência.
O tema do controle externo do Judiciário ou do Ministério Público só volta à baila quando tais poderes são incômodos ao Executivo ou ao Legislativo. Sempre que escândalos mal resolvidos politicamente espoucam na imprensa, procura-se desviar a atenção, atacando eventuais erros ou do Poder Judiciário ou do Ministério Público -que efetivamente existem, embora em menor número do que os do Executivo e do Legislativo-, a fim de se impor, para tais instituições, um controle que não desejam para eles próprios.
É de lembrar que o Poder Executivo é estruturado em carreiras de Estado e seus integrantes passam por concurso público semelhante ao que existe no Ministério Público e no Judiciário (militares, Itamaraty, Receita Federal, Polícia Federal etc.), o mesmo ocorrendo no Legislativo, para preenchimento de vagas dos setores administrativo e consultivo. Minha posição, portanto, é contrária a qualquer controle externo do MP, do Judiciário, do Conselho Federal da OAB, visto que o tripé (juiz, procurador de justiça e advogado) conforma a ação da Justiça.
Sou, entretanto, favorável à melhoria dos controles internos dessas instituições, ou seja, das corregedorias e dos tribunais de ética da OAB, nada obstante reconhecer que as pessoas que hoje compõem tais órgãos de correição são, quase sempre, de perfil ético inatacável.
O importante é que a discussão não se desvie dos grandes problemas e das crises nacionais, que fazem com que o país patinhe, à falta de soluções adequadas, e que parem de apresentar tais modalidades de controle como sendo a panacéia para todos os males.


Ives Gandra da Silva Martins, 69, advogado tributarista, professor emérito da Universidade Mackenzie e da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Carlos Cardoso: Sim - Por um Ministério Público republicano

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.