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TENDÊNCIAS / DEBATES
Deve haver controle externo do Ministério Público?
NÃO
Um controle inaceitável
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
A Constituição brasileira denomina seu título IV "Da Organização dos Poderes", e nele engloba: Legislativo (art. 44 a 75), Executivo (76 a 91),
Judiciário (92 a 120) e o das Funções Essenciais a Justiça (127 a 135).
No passado, alguns parlamentares entendiam que as funções essenciais à administração da Justiça não representavam funções do poder. Tive mesmo,
certa vez, debate com o senador Roberto Campos em que ele defendia a tese de
que só o corporativismo dos advogados
levara a constitucionalizar a advocacia,
o que não ocorreu com nenhuma outra
profissão.
Corrigi meu saudoso e insuperável
amigo -poucos na história do Brasil
foram dotados de inteligência igual-,
dizendo-lhe que a nossa profissão era
contemplada em apenas cinco artigos
(131 a 135 e 103, inc. V), enquanto a dele,
de parlamentar, mereceu do constituinte 25 artigos (44 a 69). E expliquei-lhe
que, sem advocacia, não há Poder Judiciário, como sem Ministério Público
também não o há.
Dessa forma, no título "Da Organização dos Poderes", o Poder Legislativo, o
Poder Executivo, o Poder Judiciário, o
Ministério Público e a advocacia pública e privada compõem o leque que
Montesquieu defendeu para que, na separação dos Poderes, o Poder controlasse o poder.
Ora, é cláusula pétrea a separação dos
Poderes, estando o art. 60, par. 4º, inc.
III assim redigido: "Não será objeto de
deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) III. a separação dos
Poderes...".
Nessa separação, à evidência, as funções essenciais -sem elas não há Poder
Judiciário- à administração da Justiça
estão incluídas no título, ostentando
igual relevância à dos demais Poderes.
O controle externo do Ministério Público, portanto, seria tão inconstitucional como o seria o controle externo do
Poder Judiciário ou do Conselho Federal da Ordem dos Advogados -que
agrega os advogados privados e os advogados da Advocacia Geral da União,
os procuradores do Estado e do município e as defensorias públicas.
Todas essas instituições vinculadas à
Justiça compõem a organização dos Poderes no Brasil e devem se pautar por
controles internos, como por controles
internos se pautam os Poderes Executivo e Legislativo -hoje, inclusive, com
"poderes", por interpretação isolada da
mesa do Senado, de revogar o par. 3º do
art. 58 da Constituição, que garantia, no
passado, às minorias a faculdade de solicitar instauração de CPIs.
A ingerência de um Poder no outro é
deletéria nos regimes presidencialistas.
Admite-se nos regimes parlamentares
de governo, pois neles a separação não é
nítida. O Executivo é formado a partir
do Legislativo, a chefia do Estado vem
direta ou indiretamente do povo; o Legislativo depende do chefe de Estado ou
de governo, que pode dissolver antecipadamente o Parlamento; e, quase sempre, a Justiça é um órgão da administração pública. Em alguns países, como na
Itália, o controle externo objetiva a retirada do Poder Judiciário da subordinação ao Ministério Público, como forma
de lhe dar maior independência.
O tema do controle externo do Judiciário ou do Ministério Público só volta
à baila quando tais poderes são incômodos ao Executivo ou ao Legislativo.
Sempre que escândalos mal resolvidos
politicamente espoucam na imprensa,
procura-se desviar a atenção, atacando
eventuais erros ou do Poder Judiciário
ou do Ministério Público -que efetivamente existem, embora em menor número do que os do Executivo e do Legislativo-, a fim de se impor, para tais instituições, um controle que não desejam
para eles próprios.
É de lembrar que o Poder Executivo é
estruturado em carreiras de Estado e
seus integrantes passam por concurso
público semelhante ao que existe no Ministério Público e no Judiciário (militares, Itamaraty, Receita Federal, Polícia
Federal etc.), o mesmo ocorrendo no
Legislativo, para preenchimento de vagas dos setores administrativo e consultivo. Minha posição, portanto, é contrária a qualquer controle externo do MP,
do Judiciário, do Conselho Federal da
OAB, visto que o tripé (juiz, procurador
de justiça e advogado) conforma a ação
da Justiça.
Sou, entretanto, favorável à melhoria
dos controles internos dessas instituições, ou seja, das corregedorias e dos
tribunais de ética da OAB, nada obstante reconhecer que as pessoas que hoje
compõem tais órgãos de correição são,
quase sempre, de perfil ético inatacável.
O importante é que a discussão não se
desvie dos grandes problemas e das crises nacionais, que fazem com que o país
patinhe, à falta de soluções adequadas, e
que parem de apresentar tais modalidades de controle como sendo a panacéia
para todos os males.
Ives Gandra da Silva Martins, 69, advogado
tributarista, professor emérito da Universidade
Mackenzie e da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército, é presidente do Conselho de
Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do
Estado de São Paulo.
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