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CARLOS HEITOR CONY
Uns braços!
RIO DE JANEIRO - Já contei a
entrevista que fiz com Francisco
Mignone por ocasião de seus 80
anos. Como qualquer jornalista imbecil, perguntei-lhe sobre seu compositor preferido ao longo de tão
longa vida. Com aquele jeito malandro que ele tinha -e que o tornava
tão simpático-, o maestro disse
que foi mudando com o tempo.
Aos 30 anos, quando lhe faziam a
mesma pergunta, ele respondia que
gostava de Beethoven. Aos 50, a resposta era outra: Bach. Mas, aos 60,
quando nada mais devia a ninguém,
respondia com a verdade que escondera durante tanto tempo:
Puccini.
Ao iniciar a carreira de compositor, ele se sentiria constrangido em
confessar sua preferência por um
autor de ópera italiana. Roncava os
grandes nomes que fizeram a glória
musical daquele miolo da Europa
Central.
"Mas perdi a vergonha", disse ele.
Comigo aconteceu coisa parecida
em relação a Machado de Assis. Aos
30 anos, confessava meu amor por
"Dom Casmurro". Aos 40, fixei-me
em "Memórias Póstumas de Brás
Cubas". Aos 50, assumi definitivamente "Quincas Borba", e fiquei
com ele até hoje.
Quem sabe o bem ou o mal que se
esconde nas preferências que vão
mudando com o tempo?
Pulando da música e da literatura
para a mulher (não parecem, mas
têm tudo em comum), conheço um
sujeito que já foi vidrado nas pernas
de Cid Charisse, nos olhos de Lyz
Taylor, nos seios monumentais de
Sophia Loren. Só recentemente
descobriu que a atração maior de
seu desejo eram os braços. Não sei
se ele andou lendo o conto de Machado de Assis. Outro dia, encontrei-o bestificado no meio da rua.
Perguntei o que havia. Ele parecia
encantado, fora do mundo. Respondeu num gemido de luxúria: "Vi uns
braços!".
E mais não disse nem foi preciso.
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