São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 2008

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CARLOS HEITOR CONY

Uns braços!

RIO DE JANEIRO - Já contei a entrevista que fiz com Francisco Mignone por ocasião de seus 80 anos. Como qualquer jornalista imbecil, perguntei-lhe sobre seu compositor preferido ao longo de tão longa vida. Com aquele jeito malandro que ele tinha -e que o tornava tão simpático-, o maestro disse que foi mudando com o tempo.
Aos 30 anos, quando lhe faziam a mesma pergunta, ele respondia que gostava de Beethoven. Aos 50, a resposta era outra: Bach. Mas, aos 60, quando nada mais devia a ninguém, respondia com a verdade que escondera durante tanto tempo: Puccini.
Ao iniciar a carreira de compositor, ele se sentiria constrangido em confessar sua preferência por um autor de ópera italiana. Roncava os grandes nomes que fizeram a glória musical daquele miolo da Europa Central.
"Mas perdi a vergonha", disse ele.
Comigo aconteceu coisa parecida em relação a Machado de Assis. Aos 30 anos, confessava meu amor por "Dom Casmurro". Aos 40, fixei-me em "Memórias Póstumas de Brás Cubas". Aos 50, assumi definitivamente "Quincas Borba", e fiquei com ele até hoje.
Quem sabe o bem ou o mal que se esconde nas preferências que vão mudando com o tempo?
Pulando da música e da literatura para a mulher (não parecem, mas têm tudo em comum), conheço um sujeito que já foi vidrado nas pernas de Cid Charisse, nos olhos de Lyz Taylor, nos seios monumentais de Sophia Loren. Só recentemente descobriu que a atração maior de seu desejo eram os braços. Não sei se ele andou lendo o conto de Machado de Assis. Outro dia, encontrei-o bestificado no meio da rua. Perguntei o que havia. Ele parecia encantado, fora do mundo. Respondeu num gemido de luxúria: "Vi uns braços!".
E mais não disse nem foi preciso.


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