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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil deve assinar o Protocolo Adicional
ao Tratado de Não Proliferação Nuclear?
SIM
Adesão não contraria interesse nacional
RUBENS RICUPERO
DA MESMA forma que a democracia, segundo Churchill, é a
pior forma de governo, exceto
todas as demais, o Tratado de Não
Proliferação Nuclear (TNP) é desigual e injusto, mas superior às alternativas existentes. Durante os 40
anos de sua vigência, renunciaram à
arma atômica 11 países que já a possuíam ou desejavam adquiri-la (entre
eles Brasil, Argentina e África do Sul).
Dos 4 que se tornaram nucleares, 3
(Índia, Paquistão e Israel) jamais assinaram o TNP, e a Coreia do Norte
teve que deixá-lo antes de construir a
bomba. O controle das armas de destruição de massa não é impossível,
pois desde Hiroshima e Nagasaki o
mundo viveu 65 anos sem que a tragédia se repetisse.
Brasil e Argentina tomaram juntos
a decisão de abandonar seus programas nucleares rivais, desarmando perigosa corrida armamentista na América Latina e abrindo caminho à integração do Mercosul.
O processo culminou, em 1991, com
a assinatura do acordo entre o Brasil,
a Argentina, a Agência Internacional
de Energia Atômica (AIEA) e a Agência Argentino-Brasileira de Controle,
pelo qual os dois países aceitaram as
inspeções da agência da ONU.
A adesão ao TNP constituiu a consequência natural, pois a proibição da
arma nuclear já constava da Constituição de 1988 e o acordo de 1991 havia criado para o país todas as obrigações que decorreriam do tratado.
Quando a adesão se deu, em 1997-1998, os únicos que não haviam assinado eram Índia, Paquistão e Israel,
que tinham para isso uma razão: queriam adquirir a bomba (o quarto era
Cuba, que aderiu logo depois). Que
sentido teria tido para o Brasil ficar de
fora, em companhia dos três belicistas, se já havíamos assumido na prática as obrigações do TNP?
O mesmo argumento se aplica ao
Protocolo Adicional, que não é mais
que a aceitação de fiscalização reforçada. O Brasil é dos raros países que
permitem à agência acesso até a suas
instalações militares. O que teríamos
a temer se nada temos a esconder?
Alega-se que deveríamos proteger a
originalidade de nossa tecnologia. O
objetivo é legítimo, mas, segundo especialistas, pode ser perfeitamente
assegurado pela negociação com a
agência de modalidades que preservem os segredos tecnológicos.
Até agora, a recusa era justificada
pelo desinteresse do governo americano de cumprir a obrigação de desarmamento constante do TNP.
A situação mudou totalmente com
o advento do governo Obama, o acordo com a Rússia para redução de ogivas nucleares e a nova estratégia dos
EUA, que restringe o papel das armas
nucleares. Ainda se está longe do desarmamento, mas é mudança construtiva que deve ser encorajada.
Neste momento, a persistência da
recusa será vista como obstrução à
evolução positiva em curso. A infeliz
coincidência com a visita do presidente Lula a Teerã avivará suspeitas
sobre nossas intenções.
Cedo ou tarde, o processo de reforço do TNP conduzirá à proibição da
exportação ou importação de urânio
enriquecido e restrições de acesso
tecnológico para os que rejeitam o
protocolo. É risco gratuito quando
nossa tecnologia pode ser preservada
por negociação cautelosa.
Se o real motivo for armamentista,
equivale a golpe gravíssimo contra a
Constituição. O argumento da soberania não procede, pois a adesão não
contraria o interesse nacional.
Que interesse haveria em adquirir a
bomba para país que não está sob
ameaça ou em zona de conflito, tendo
completado 140 anos de paz ininterrupta com seus dez vizinhos?
Na hora lancinante da catástrofe do
Rio de Janeiro, só o delírio de grandeza e a perda de contato com a realidade explicam desviar recursos escassos
para prioridades erradas e desnecessárias como os desvarios atômicos. A
realidade que chega pela tela da TV
nos revela aonde estão nossos inimigos: não no exterior, mas aqui dentro.
A corrupção e a incompetência
diante da urbanização selvagem, a patética incapacidade de salvar vidas, a
falta de dinheiro para dar casa decente aos trabalhadores -são essas as
ameaças a enfrentar. E não será com
submarinos nucleares e urânio enriquecido que vamos diminuir um só
desses perigos reais e imediatos.
RUBENS RICUPERO , 73, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo,
é colunista da Folha . Foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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