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O âmago da inflação
ANTONIO DELFIM NETTO
O problema mais importante
que se coloca para o Banco Central na execução de um programa de
metas inflacionárias é estabelecer um
"core", ou, em outras palavras, um
"âmago da inflação", que seja relativamente estável e capaz de separar, com
relativa eficiência, as perturbações
produzidas por efeitos transitórios sobre os preços (quebra de safra, aumento de preços de energia, efeitos
derivados dos aumentos de impostos,
efeitos produzidos por modificações
das tarifas alfandegárias ou de serviços públicos) daquelas que resultam
de pressões estruturais sobre a oferta e
a procura globais, que podem ser, portanto, influenciadas pela política monetária. As primeiras perturbações
são passageiras e ocorrem uma vez:
são mudanças de preços relativos (o
preço da alface subiu em relação aos
outros produtos devido às chuvas de
janeiro), que podem aumentar o nível
de preços, mas não produzem um
processo inflacionário. As segundas
são cumulativas e sua persistência tende, inicialmente, a elevar alguns preços; depois, a criar uma "expectativa"
de inflação; em seguida, a contagiar
todos os preços e, finalmente, a iniciar
reivindicações de correção dos salários nominais.
A sustentação da estabilidade monetária é resultado de um relativo equilíbrio entre a oferta e a procura globais.
Uma vez atingida uma elevada utilização da capacidade produtiva instalada, é preciso que a expansão da demanda global seja acompanhada por
crescimento semelhante da oferta via
aumento dos investimentos e da produtividade, o que depende da taxa de
juro real de longo prazo.
As alterações da taxa de juros têm
efeitos sobre a oferta e a procura globais. Taxa de juro real abaixo da taxa
de retorno da indústria estimula o investimento, aumenta a demanda e,
depois de algum tempo, aumenta a capacidade produtiva. A taxa de juro
real abaixo do "equilíbrio" influencia
a demanda de consumo também depois de algum tempo. Não há nenhuma certeza sobre os "tempos" diferentes em que ela altera a oferta e a procura. No momento, no Brasil, o Banco
Central reconhece que a atual taxa real
de juros "está acima da taxa de equilíbrio de longo prazo" (o que tem um
custo social), mas acha precipitado
baixá-la.
Não é, portanto, de estranhar que todos os Bancos Centrais se concentrem
na busca de um mecanismo capaz de
gerar o tal "âmago da inflação". Em
trabalho recente, Mark A. Wynne
("Core Inflation", European Central
Bank, May 1999) sugere seis condições
para tal medida. Ela deve: 1) ser calculada em tempo real, o que complica o
uso de "filtros"; 2) "olhar para a frente" (forward looking) em algum sentido; 3) ter algum sucesso para descrever a evolução da inflação no passado;
4) ser entendida pela sociedade; 5) ser
metodologicamente estável e não se
alterar quando enriquecida com novas informações e 6) ter uma base teórica, preferencialmente na teoria monetária. Há, portanto, muito trabalho
a fazer no nosso Banco Central para
chegarmos a um "core" entendido e
aceito pelos agentes econômicos e capaz de ajudá-lo a encontrar a taxa de
juros real de equilíbrio.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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