São Paulo, quarta-feira, 10 de maio de 2000


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O âmago da inflação

ANTONIO DELFIM NETTO

O problema mais importante que se coloca para o Banco Central na execução de um programa de metas inflacionárias é estabelecer um "core", ou, em outras palavras, um "âmago da inflação", que seja relativamente estável e capaz de separar, com relativa eficiência, as perturbações produzidas por efeitos transitórios sobre os preços (quebra de safra, aumento de preços de energia, efeitos derivados dos aumentos de impostos, efeitos produzidos por modificações das tarifas alfandegárias ou de serviços públicos) daquelas que resultam de pressões estruturais sobre a oferta e a procura globais, que podem ser, portanto, influenciadas pela política monetária. As primeiras perturbações são passageiras e ocorrem uma vez: são mudanças de preços relativos (o preço da alface subiu em relação aos outros produtos devido às chuvas de janeiro), que podem aumentar o nível de preços, mas não produzem um processo inflacionário. As segundas são cumulativas e sua persistência tende, inicialmente, a elevar alguns preços; depois, a criar uma "expectativa" de inflação; em seguida, a contagiar todos os preços e, finalmente, a iniciar reivindicações de correção dos salários nominais.
A sustentação da estabilidade monetária é resultado de um relativo equilíbrio entre a oferta e a procura globais. Uma vez atingida uma elevada utilização da capacidade produtiva instalada, é preciso que a expansão da demanda global seja acompanhada por crescimento semelhante da oferta via aumento dos investimentos e da produtividade, o que depende da taxa de juro real de longo prazo.
As alterações da taxa de juros têm efeitos sobre a oferta e a procura globais. Taxa de juro real abaixo da taxa de retorno da indústria estimula o investimento, aumenta a demanda e, depois de algum tempo, aumenta a capacidade produtiva. A taxa de juro real abaixo do "equilíbrio" influencia a demanda de consumo também depois de algum tempo. Não há nenhuma certeza sobre os "tempos" diferentes em que ela altera a oferta e a procura. No momento, no Brasil, o Banco Central reconhece que a atual taxa real de juros "está acima da taxa de equilíbrio de longo prazo" (o que tem um custo social), mas acha precipitado baixá-la.
Não é, portanto, de estranhar que todos os Bancos Centrais se concentrem na busca de um mecanismo capaz de gerar o tal "âmago da inflação". Em trabalho recente, Mark A. Wynne ("Core Inflation", European Central Bank, May 1999) sugere seis condições para tal medida. Ela deve: 1) ser calculada em tempo real, o que complica o uso de "filtros"; 2) "olhar para a frente" (forward looking) em algum sentido; 3) ter algum sucesso para descrever a evolução da inflação no passado; 4) ser entendida pela sociedade; 5) ser metodologicamente estável e não se alterar quando enriquecida com novas informações e 6) ter uma base teórica, preferencialmente na teoria monetária. Há, portanto, muito trabalho a fazer no nosso Banco Central para chegarmos a um "core" entendido e aceito pelos agentes econômicos e capaz de ajudá-lo a encontrar a taxa de juros real de equilíbrio.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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