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ANTONIO DELFIM NETTO
Irresponsabilidades
A expropriação dos ativos da
Petrobras na Bolívia mostra um
fato óbvio, que deve sempre ser levado
em conta para avaliar as "garantias"
oferecidas pelos tratados internacionais que envolvem problemas políticos e econômicos altamente sensíveis.
A não ser quando uma das partes disponha de meios eficazes para retaliar e
impor a sua vontade à outra, eles valem tanto quanto os "acordos de cavalheiros", isto é, enquanto existirem
"cavalheiros" dos dois lados...
Em 1938, Brasil e Bolívia firmaram
um tratado para proporcionar a este
país uma saída pelo oceano Atlântico.
A Bolívia havia perdido a sua saída para o Pacífico na guerra em que, aliada
ao Peru, foi fragorosamente derrotada
pelo Chile, em 1883. O tratado envolvia o livre trânsito do petróleo boliviano e seus derivados pelo território
brasileiro. Para isso, seria construída
uma estrada de ferro entre Santa Cruz
de la Sierra e Corumbá. Em contrapartida, a Bolívia reservaria um território para a exploração exclusiva do
petróleo por empresas dos dois países.
A estrada de ferro ficou pronta em
1955 e, na sua inauguração, a Bolívia
renegou a contrapartida por motivos
que permanecem até hoje sob suspeição. Isso deu origem a uma intensa
movimentação diplomática e terminou no Acordo de Roboré, objeto de
forte reação política no Brasil, principalmente por parte da esquerda ingênua, que o considerava "um torpedo
contra a Petrobras" e para a qual a defesa da empresa confundia-se com a
defesa da pátria...
Com um território de 1,1 milhão de
quilômetros quadrados, população de
9 milhões de habitantes e um PIB per
capita de US$ 900 (um terço do brasileiro), a Bolívia não é, certamente, um
dos países mais pobres do mundo.
Seu PIB per capita é um múltiplo de
grande número de países africanos e
asiáticos. É pouco inferior ao da China
(US$ 1.300) e uma vez e meia o da Índia (US$ 620). Por outro lado, ela tem
crescido mais do que o Brasil (3,4% ao
ano entre 2003 e 2005)!
O que se pode dizer é que ela talvez
seja o país politicamente mais instável
do mundo: a República da Bolívia foi
criada em 1825 e registra eleições, golpes e contragolpes quase do mesmo
número dos seus anos de vida. Isso se
deve, provavelmente, à dominação até
ontem vigente da população branca
(10% da população) sobre a população indígena (37% de índios quechuas
e 32% de aimarás) e sobre os "mestiços" (13%) e outros (10%). A eleição
de Evo Morales (um aimará, depois de
180 anos) mostra o papel fundamental
do "sufrágio universal" para a construção de governos que vão respondendo às aspirações da sociedade
-nem sempre afinadas com a disponibilidade de recursos para atendê-las.
É por isso que o caminho é longo e torturado por acertos e erros.
Morales pode, certamente, expropriar a Petrobras, mas, certamente
também, deve indenizá-la adequadamente. O problema maior que se coloca não é esse, mas, sim, quem indenizará o sistema produtivo nacional,
que foi induzido a substituir sua energia por gás fornecido por um país instável e com o qual já tivemos experiência não bem-sucedida. Avulta agora a
irresponsabilidade da assinatura do
contrato do gasoduto em 1993 e o
apressamento da substituição dos
equipamentos industriais pelo programa Brasil em Ação, de 1997/98. É
claro que o problema vai se resolver
pelo aumento de preços -que um dia
será transferido para os consumidores. Isso reduzirá a margem do setor
industrial criada pela substituição do
óleo combustível pelo gás -menos
poluente.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br
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