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Outra farra
Ao aprovar vantagens para devedores do fisco, Congresso mais uma vez trata como otário quem paga seus impostos
A DECISÃO foi, para variar, injusta e irresponsável -mas não deixa
de revelar vago senso
de isonomia. Habituados a perdoar as próprias irregularidades,
deputados e senadores resolveram ampliar esse espírito de indulgência e farra, estendendo-o a
uma parcela dos cidadãos brasileiros. A saber, os que não estão
em dia com a Receita Federal.
Nesta quinta-feira, após um
acordo entre lideranças do governo e da oposição, a Câmara
dos Deputados aprovou novas e
generosas regras para o pagamento das dívidas com o fisco.
Os prazos, as multas e os juros
para quem atrasou seus compromissos foram substancialmente
reduzidos.
Premia-se o mau pagador e pune-se o contribuinte que, antes
da medida, se tinha esforçado
para regularizar sua situação.
Tudo começou com uma ideia
em certa medida defensável do
ponto de vista da simplificação
dos procedimentos da Receita. O
governo propusera o perdão das
dívidas vencidas até 2002 que
não superassem R$ 10 mil. Previa, ainda, a redução de multas e
juros para dívidas pequenas,
vencidas após aquele ano.
Mas, como se sabe, paira sobre
o Congresso uma atmosfera de
irrestrita simpatia pela impunidade de quem quer que seja. Some-se a isso o desprezo a quem
paga em dia seus impostos;
acrescente-se a enfática declaração do deputado Sérgio Moraes
(PTB-RS), membro do Conselho
de Ética da Câmara, de que está
"se lixando para a opinião pública" -e o resultado foi instituir-se
a farra dos sonegadores, categoria a que alguns parlamentares,
de resto, veem-se frequentemente acusados de pertencer.
Na Câmara, o projeto de anistia aos pequenos devedores ganhou horizontes ampliados.
Dívidas de qualquer tamanho
poderão ser ressarcidas sem
multas e com juros reduzidos em
45% se forem pagas à vista.
Quem prometer pagá-las em 180
meses ainda assim terá de arcar
apenas com 40% da multa, beneficiando-se de uma redução de
25% nos juros. A correção da dívida será calculada pela TJLP, a
Taxa de Juros de Longo Prazo,
substancialmente menor do que
a vigente no mercado.
O prêmio não pareceu suficiente para os senadores. Eliminaram-se, no Senado, as restrições a quem já havia participado
de programas semelhantes.
Observe-se que já houve quatro deles nos últimos nove anos,
o que é mais uma prova de seu
equívoco. Sabendo-se da regularidade com que tais anistias
acontecem, o estímulo para atrasos no pagamento dos impostos
só tende a se generalizar.
Em nova votação na Câmara,
estas restrições foram reintroduzidas. Mas ficará a cargo do
Executivo, caso se disponha a
tanto, vetar os aspectos mais injustificáveis desse conjunto de
benesses.
Do contrário, não se fará mais
do que confirmar a opinião da secretária da Receita Federal, Lina
Vieira: com regras desse tipo,
afirmou ela em depoimento ao
Congresso, o bom contribuinte
será chamado de otário. Para
muitos parlamentares, a frase
não constitui grande novidade.
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