São Paulo, Segunda-feira, 10 de Maio de 1999
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Melhor do que parece

BORIS FAUSTO

Em meses difíceis como os que estamos atravessando, vem juntar-se à perda de credibilidade do governo e das instituições o pessimismo generalizado da opinião pública. Tudo parece ir muito mal em um país sem rumo, condenado à miséria, à corrupção, à criminalidade sem freios e a tantas outras desgraças, no passado, no presente e no futuro.
As pesquisas divulgadas por duas entidades respeitáveis, de âmbito diverso -a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) e a fundação Seade-, comentadas nesta Folha (5/5) por Carlos Eduardo Lins da Silva e José Roberto de Toledo, revelam um quadro bem menos negativo. Os indicadores referem-se, respectivamente, ao país como um todo e ao interior do Estado de São Paulo, abrangendo, no primeiro caso, os anos 1990-1996 e, no segundo, os anos 1994-1998.
Evitando chover no molhado, ressalto apenas alguns fatos positivos: a queda substancial do número absoluto de indigentes (de 33 milhões para 21,4 milhões) e de pobres (de 67,5 milhões para 55 milhões), de acordo com os dados da Cepal; a elevação de 24% da renda familiar "per capita" no interior de São Paulo, ocorrendo de maneira uniforme entre os vários estratos da população. Mais ainda, uma recente avaliação do Bird (Banco Mundial), como comenta Daniela Falcão nesta Folha (5/5), ressalta a qualidade de experiências bem-sucedidas de combate à pobreza desenvolvidas em 11 Estados brasileiros, graças à iniciativa local e às organizações de caráter público.
De fato, ao longo das últimas décadas, o eldorado das metrópoles se converteu em foco de inúmeros problemas. Enquanto isso, zonas rurais caracterizadas pela pequena e média propriedade de base familiar, assim como cidades médias do interior, converteram-se em um pólo de crescimento e melhora das condições de existência.
Nada permite afirmar que estamos à beira de chegar a um quadro social satisfatório. De um lado, constata-se o aumento dos indicadores de desemprego e de violência e a persistência da profunda desigualdade social. De outro, como os indicadores, nos dois primeiros exemplos apontados, não abrangem o período recente, marcado pelas crises internacionais e pelos problemas internos, há boas razões para pensar que houve uma reversão parcial dos dados positivos.
Se nada induz ao otimismo sem ressalvas, não há razões para nos submetermos ao clima de pessimismo que se generalizou. Não é fácil fugir ao impacto de um cotidiano complicado, cujas imagens mais negativas as redes de televisão exploram avidamente. Vale a pena, porém, tentar o exercício de confrontá-lo com uma análise de maior alcance.
Esse exercício não tem o sentido de servir de consolo para as agruras do dia-a-dia, para o espetáculo das crianças esmolando nas ruas ou para o temor da perda da vida em um assalto. Mas pode representar uma reflexão que nos permita entender melhor o país, com seus avanços, bloqueios e retrocessos -um país cuja vida real não se ajusta ao pessimismo indiscriminado, que só serve para borrar a visão de sua complexidade.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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