São Paulo, sábado, 10 de junho de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil está menos vulnerável a crises econômicas internacionais?

SIM

Contas externas arrumadas

LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO e CAIO MEGALE

NAS ÚLTIMAS semanas os mercados financeiros vêm mostrando alta volatilidade. A gênese dessa turbulência foi a incerteza sobre o futuro da economia americana e a extensão do processo de alta dos juros que o Federal Reserve vem levando a cabo. A conseqüência tem sido a maior aversão a risco por parte dos investidores internacionais, que vêm reduzindo sua exposição a mercados arriscados. Esse movimento provavelmente marca o início do fim de um dos períodos de maior abundância de liquidez da história dos mercados financeiros internacionais, que vinha sendo observado desde o início de 2003. Nesse período, muitos investidores não sabiam mais o que fazer com tanto dinheiro em caixa -qualquer ativo com retorno mais elevado era atraente, pouco importando os fundamentos que estivessem por trás dele. Com menor liquidez daqui para frente, os agentes serão mais seletivos, separando o joio do trigo: como na fábula da cigarra e da formiga, quem aproveitou os anos de bonança para "arrumar a casa" estará mais seguro e sofrerá menos. Sem dúvida, o Brasil foi um dos que mais bem aproveitou os ventos externos para melhorar seus fundamentos, especialmente no que diz respeito ao balanço de pagamentos. Em 2001, o país tinha déficit nas contas correntes de 4,5% do PIB, o que, somado às amortizações da dívida externa, exigia a captação de divisas via endividamento externo ou investimento direto de cerca de US$ 50 bilhões por ano. A dívida externa total era próxima de 50% do PIB, sendo quase 60% do setor público, enquanto a parcela da dívida interna indexada à taxa de câmbio chegava a 30%. Ou seja, depreciações cambiais, por menores que fossem, representavam um importante custo aos cofres públicos. Hoje, nossas contas externas estão arrumadas. O câmbio mais competitivo do que aquele existente nos anos de câmbio fixo, o incentivo fiscal do governo federal e o robusto crescimento mundial impulsionaram nossas exportações, transformando o déficit em conta corrente em um superávit próximo de 2% do PIB. A abundância de recursos permitiu que reduzíssemos a dívida externa para menos de 20% do PIB e levássemos a zero a indexação cambial da dívida interna. Com o atual volume de reservas internacionais -cerca de US$ 65 bilhões-, a dívida liquida externa do setor público é praticamente zero: ou seja, depreciações cambiais não trazem mais os efeitos colaterais fiscais indigestos que faziam com que pequenos ajustes no câmbio se tornassem ameaça de sérias crises. As contas externas sólidas não nos torna imunes à volatilidade de curto prazo dos mercados, que está ligada a movimentos de manada e ao nível de alavancagem apresentado pelos mercados, mas ancora o preço dos ativos, evitando tendências de deterioração mais prolongadas. Apesar de os números estarem aparecendo agora com maior evidência, essa conquista é fruto de um árduo e prolongado processo de transformações que a economia brasileira vem passando nos últimos 12 anos, com o fim da hiperinflação, privatizações, equacionamento das contas fiscais e adoção, com sucesso, do regime de metas para a inflação. É mérito da atual equipe econômica, que aproveitou o ambiente externo para limpar o balanço de pagamentos e reduzir a inflação, mas também de equipes anteriores, que pavimentaram a via expressa pela qual estamos trafegando. Entretanto, o futuro positivo do Brasil não será garantido pela qualidade das contas externas. Se aproveitamos os anos de bonança para corrigir nossos desequilíbrios no balanço de pagamentos, não fizemos o mesmo com nossas contas domésticas. O resultado fiscal, apesar de ainda em linha com as metas de superávit primário, continua mostrando uma composição perversa e será cada vez mais percebido como insustentável. O próximo governo deve acenar com medidas sólidas para reverter esse quadro. Caso contrário, estaremos fadados a ser uma economia com juros nominais elevados e um crescimento decepcionante quando comparado à média dos demais países emergentes.


LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO , 42, é sócio-diretor da Mauá Investimentos, conselheiro da BM&F e professor do curso de MBA da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), em São Paulo. Entre 1999 e 2003, foi Diretor de Política Monetária do Banco Central do Brasil.
CAIO MEGALE , 31, é economista formado pela Universidade de São Paulo, com mestrado pela PUC-RJ. Recebeu o prêmio BNDES de Economia 2004/2005 pela dissertação de mestrado "Fatores Externos e o Risco-País". É sócio da Mauá Investimentos e professor do Ibmec-SP. @ - cmegale@mauainvest.com.br


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