São Paulo, quarta-feira, 10 de junho de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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O discurso e a prática

JIHAD HASSAN HAMMADEH


O discurso de Obama é o início. Mas o mundo islâmico não acredita mais em promessas que não sejam acompanhadas de atitudes

O DISCURSO do presidente dos EUA, Barack Obama, no Egito na quinta-feira passada gerou euforia no Oriente Médio, mas com uma dose de desconfiança.
Foi um discurso conciliador, que buscou o apoio dos muçulmanos ressaltando as convergências que há entre o islã e a visão norte-americana.
Foi claro na diferença entre a posição do atual governo -com relação ao anterior- no tratamento que quer dar à relação com o mundo islâmico. Certamente, percebeu-se que o governo anterior, com um discurso belicista, perdeu muito e criou várias fissuras que demorarão para cicatrizar.
Discursos como esse, porém, necessitam, acima de tudo, de ações concretas, já que o mundo islâmico não acredita mais em promessas que não sejam acompanhadas de atitudes que as confirmem. Como a questão palestina, que é a porta de entrada para um resultado positivo, sem esquecer outros pontos delicados, como o Iraque e o Afeganistão.
Hoje, os muçulmanos estão cada vez mais certos de que têm condições de exigir respeito e tratamento justo.
Juntos, são uma potência econômica, uma fonte humana necessária para o desenvolvimento mundial, intelectual e físico, principalmente na Europa. E se cansaram da propaganda negativa sobre o islã, a islamofobia.
O discurso de Obama é o início para um diálogo de benefício mútuo, ao passo que, no governo anterior, só os EUA se beneficiavam à custa do prejuízo do mundo islâmico.
Obama reconheceu que o tratamento dado aos muçulmanos por parte dos EUA foi uma forma de colonialismo. Parece que há sinceridade em suas palavras, que ele está sendo realista e que quer corrigir os erros cometidos. Porém, ficam duas perguntas: Que ações serão tomadas para que isso se concretize? Quem irá concretizá-las? Há muitos questionamentos que se fazem neste momento, que devem ser levados em consideração e respondidos para que as pessoas possam ter certeza de que não serão prejudicadas ainda mais no futuro.
A comunidade islâmica do Brasil está otimista com o discurso e espera que sejam verdadeiras as promessas feitas, já que ela é afetada direta ou indiretamente -mesmo que, no Brasil, a comunidade islâmica não sinta tanta discriminação por haver mais divulgação e procura da sociedade, além de ter a maioria de seus integrantes de cidadãos brasileiros.
Porém, não podemos dizer o mesmo quando analisamos a questão da mídia e a propaganda anti-islâmica a que assistimos, propagada sobretudo pelas agências apoiadas pelos EUA e que defendem seus interesses.
A comunidade islâmica brasileira é formada por aproximadamente 1,5 milhão de adeptos. São mais de cem templos religiosos distribuídos pelo país, além de hospitais, escolas, entidades sociais, empresas que geram empregos e profissionais de todas as áreas contribuindo para o desenvolvimento do Brasil.
Acreditamos que o tom convergente de Obama é a saída para resolvermos muitas questões pendentes e que necessariamente, cedo ou tarde, precisarão ter uma solução. Então, que seja agora, já que esse discurso é nosso há muito tempo: sempre tivemos as mãos estendidas, querendo trabalhar nas convergências, no interesse comum -e nunca é tarde para isso.
Precisamos promover a paz, a justiça e o respeito mútuo, que são caminhos para viver em harmonia. Acreditamos que as civilizações podem contribuir uma com a outra e que devemos respeitar as opiniões.
Temos o livre-arbítrio e devemos fazer uso dele da forma mais adequada e justa possível, para não gerar conflitos que se voltarão depois contra a sociedade.
A islamofobia deve ser eliminada da sociedade e dos meios de comunicação. Não se pode falar em respeito mútuo enquanto há informações deturpadas sobre os muçulmanos, ligando-os a atos que lhes são estranhos, que não fazem parte de seus ensinamentos religiosos. Acabar com esses estereótipos é uma forma de melhorar o relacionamento.
É preciso corrigir a imagem negativa que foi construída do islã no mundo, sobretudo após o 11 de Setembro.
Esse é um passo importante a ser dado, do interesse da sociedade e dos muçulmanos -onde quer que estejam, inclusive no Brasil.
Acreditamos que a convivência harmônica de todos os adeptos das religiões no Brasil é um bom exemplo a ser seguido por outros países. Basta ver os benefícios que o país está angariando pelo bom relacionamento, tanto social quanto comercial, com os países islâmicos.
O Brasil é visto com bons olhos pelos países islâmicos e árabes, porque internamente há de fato uma sociedade pluralista e um respeito mútuo razoável quanto à diversidade religiosa.


SHEIKH JIHAD HASSAN HAMMADEH, clérigo formado pela Universidade Islâmica de Medina (Arábia Saudita), é presidente do Conselho de Ética da UNI (União Nacional das Entidades Islâmicas) e vice-presidente da Wamy-América Latina (Assembleia Mundial da Juventude Islâmica, na sigla em inglês).


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