São Paulo, sexta-feira, 10 de julho de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Golpismo e diplomacia nas Américas

SÉRGIO PAULO MUNIZ COSTA


Diferentemente do ocorrido em outras crises, dessa vez o governo brasileiro teve papel relevante, para piorar a situação


POR QUALQUER lado que se aborde a crise de Honduras, as perspectivas são sombrias. A prosseguir na rota da insensatez, a OEA (Organização dos Estados Americanos) poderá vir a ser a primeira organização internacional que precipitou, e não impediu, um conflito. A credibilidade do sistema interamericano, institucionalizado na OEA, entrou numa área de penumbra, com uma Cuba renitente à observância dos direitos humanos e da democracia desimpedida de a ele se integrar, enquanto Honduras, em crise política, dele é afastada -faces opostas de uma radical inversão de juízos.
Os desdobramentos desse despautério são visíveis. O confronto interno agravado pela visita a Tegucigalpa do secretário-geral da OEA, de um voluntarismo inversamente proporcional ao poder da capital para onde viaja, escalou a movimentação de tropas. Um conflito entre Poderes num pequeno país da América Central, instigado por Chávez, assumiu dimensões inesperadas graças a respostas desproporcionais da OEA, aparentemente dominada pelo ativismo esquerdista de assembleia e pelo imobilismo politicamente correto do governo Obama, ainda constrangido pelas trapalhadas regionais e planetárias de seu antecessor.
Mas, diferentemente do ocorrido em outras crises, dessa vez o governo brasileiro teve papel relevante -para piorar a situação. A considerar as suas declarações, instilou o açodamento condenatório e unilateral e ainda encenou ato emblemático ao enviar aeronave da Força Aérea Brasileira para conduzir o secretário-geral da OEA a Tegucigalpa, seguindo o padrão do emprego de helicópteros do Exército brasileiro em ação dita humanitária que serviu muito bem à promoção midiática das Farc.
A diplomacia alternativa irradiada dos corredores do Planalto não se constrange em constranger as Forças Armadas brasileiras com missões de resultados duvidosos para a paz no continente. Longe vão os tempos em que a diplomacia e os militares do Brasil trabalhavam silenciosa e equilibradamente na construção de pontes, e não de barreiras, entre povos e facções na ensanguentada América Central.
No início dos anos 90, foram estabelecidas as fundações do programa de desminagem humanitária que, paulatinamente, livraria a região do flagelo das minas terrestres espalhadas na Guerra Fria por procuração ali travada.
Daí por diante, coube aos engenheiros de combate do Exército brasileiro e do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil um papel central na supervisão dos trabalhos de detecção e destruição de minas terrestres realizados pelos sapadores hondurenhos, nicaraguenses e costarriquenhos, por vezes a preço de sangue. Longe de serem "lacaios do imperialismo", esses servidores do Estado brasileiro cumpriram suas missões, arrostando pressões de interesses muito distintos do mandato original.
Nem tão longe assim vão os tempos em que a diplomacia brasileira exigiu e respaldou na OEA uma solução adequada à crise provocada pelo golpe na Venezuela no início de 2002. Naqueles difíceis meses pós-11 de Setembro, o Brasil desempenhou o papel de aliado leal, mas não servil, dos Estados Unidos, num momento de restrições à liberdade de ação do país no cenário internacional.
O golpismo que ainda viceja na América Latina e se manifestou em Honduras tem mais de um lado, muitos protagonistas e um patrono do momento que as resoluções da OEA estão longe de apontar de maneira serena e eficaz para o restabelecimento do equilíbrio local.
Enquanto Manuel Zelaya voava ameaçadoramente para Honduras, Obama se preparava para voar amigavelmente para Moscou -destinos e atitudes tão díspares quanto o grau de relevância para a superpotência dos respectivos objetivos de viagem.
A América Central e a América do Sul foram remetidas, mais uma vez, à insignificância que o desdém da política externa norte-americana autoriza Obama a posar de bom-moço, por enquanto, mas cujas responsabilidades não o farão hesitar ao tratar amigos e inimigos quando forem ameaçados os interesses vitais do seu país.
Tempos virão, talvez antes do que se imagina, em que o Brasil será chamado a se posicionar e assumir responsabilidades para as quais a diplomacia companheira não tem os necessários conhecimento e equilíbrio. Quando isso acontecer, esperemos que os interesses do Estado, e não os do governo, prevaleçam, encaminhados pela tradicional e competente diplomacia brasileira.

SÉRGIO PAULO MUNIZ COSTA é historiador. Foi delegado do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, órgão de assessoria da OEA (Organização dos Estados Americanos) para assuntos de segurança hemisférica.


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