São Paulo, sábado, 10 de setembro de 2011 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A redução da taxa de juros põe em xeque a independência do Banco Central? SIM Autonomia sob risco MAILSON DA NÓBREGA Com a decisão de reduzir a taxa Selic, contrariando as expectativas de quase todos os analistas e suas próprias sinalizações, o Banco Central deu a impressão de ter cedido a pressões políticas. Sua autonomia foi posta em dúvida. As funções essenciais de um banco central são: 1) prover moeda estável; 2) preservar a solidez do sistema financeiro. Não há desenvolvimento sustentável com alta inflação e sem a oferta adequada de crédito para o consumo e a produção. Aqui, a partir de 1999, a estabilidade passou a ser perseguida via regime de metas de inflação. O governo fixa as metas, e o Banco Central, com autonomia operacional, toma medidas para o seu cumprimento, as quais podem desagradar. O BC precisa, pois, estar blindado de pressões de qualquer natureza. A coordenação das expectativas é o aspecto-chave, já que elas influenciam decisivamente o comportamento futuro dos preços. Assim, o BC deve comunicar-se bem. Divulga comunicados sobre as decisões, atas que as explicam e relatórios de inflação. Dá entrevistas à imprensa, comparece ao Congresso e mantém contatos periódicos com analistas. A última decisão desprezou esse ritual. Qualquer banco central pode surpreender os analistas, mas deve apresentar razões convincentes, que realinhem expectativas e justifiquem a nova direção da política monetária. Não foi o que acorreu. A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) invocou dois cenários, que a ata divulgada na quinta-feira confirmou. Primeiro, as incertezas da economia mundial: os países desenvolvidos podem ingressar em profunda recessão, o que impactaria negativamente o Brasil e traria efeitos desinflacionários. Segundo, a geração de robustos superávits primários, que mudariam para melhor a política fiscal. Nenhum desses cenários é consensual entre os especialistas. É difícil encontrar, aqui e lá fora, quem preveja uma repetição da crise financeira de 2008 e de seus efeitos recessivos. Quanto ao superávit primário, o governo prometeu apenas não gastar, em 2011, R$ 10 bilhões dos R$ 14 bilhões que arrecadou a mais. Para 2012, a meta seria cumprida mediante manobras contábeis. Mesmo que o Copom esteja certo -o que parece pouco provável, embora não seja impossível-, os cenários com os quais passou a lidar, que justificaram a mudança do rumo da política monetária, deviam ter-se tornado públicos com antecedência, de forma transparente. O grave é que a sinalização de que o Copom baixaria a Selic veio da presidente da República, do ministro da Fazenda e de outros membros do governo, enquanto o BC, que no caso deveria falar, calou-se. Ao decidir de forma distinta do habitual, sob o aplauso do governo e de economistas que o acusam de conservadorismo excessivo, o BC criou a percepção de ter cedido a pressões políticas. Ao se fundamentar em cenários pouco prováveis, buscou uma justificava técnica sem bases sólidas. As autoridades, é óbvio, negam influência política na decisão do Copom. O futuro pode dar razão ao Copom, mas sua decisão pareceu imprudente. Agora, vai torcer pelo pior no front externo. Pelo menos pode voltar atrás se estiver errado, recuperando a autonomia. A decisão não afastará investidores estrangeiros. Isso não está em questão. O risco é de inflação acima do centro ou do teto da meta por muito tempo e em patamares crescentes. Ao perceberem que o BC não preserva o poder de compra da moeda, os agentes se defenderiam via maior indexação de preços, salários e contratos. A reversão custaria caro ao país. MAILSON DA NÓBREGA, ex-ministro da Fazenda, é sócio da Tendências Consultoria Integrada Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: Marta Suplicy: Não tem volta Próximo Texto: Roberto Teixeira da Costa: Decisão correta Índice | Comunicar Erros |
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