São Paulo, terça-feira, 10 de outubro de 2006

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ELIANE CANTANHÊDE

Perguntar não ofende

BRASÍLIA - No segundo bloco do debate de domingo na TV Bandeirantes, Lula crispou o rosto, começou a ficar vermelho e deu dois passos miúdos para trás. Pensei: ele não está suportando a pressão, vai perder as estribeiras.
Mas Lula não partiu para cima de Alckmin nem soltou palavrões. Foi em busca de um personagem. Tentou ser agressivo, não funcionou. Tentou fazer graça por ler as perguntas, não foi engraçado. Tentou ser irônico, não havia clima. Depois de quatro anos sem debates e entrevistas, pareceu enferrujado.
O melhor momento de Lula foi num raro espaço para marcar diferenças de fundo: a política externa. Sereno, defendeu a ampliação dos horizontes para a África e a Ásia, criticou a pressão para esmagar um país miserável como a Bolívia e concluiu com seu melhor argumento: as exportações dobraram.
Esse lapso positivo -e destoante da sua performance em geral- comprova que não adianta caprichar só na forma nem entupir o telespectador-eleitor com números.
Quando tem resposta, conteúdo, argumento, Lula convence e vai bem. Quando não tem, segue o mesmo roteiro: vacila, se irrita, ironiza.
Nem sempre dá certo. "Você pode enganar todos algum tempo, ou alguns o tempo todo, mas não dá para enganar todos o tempo todo."
No final, a festa no estúdio foi dos tucanos, enquanto os petistas saíam discretamente. A imagem dizia muita coisa sobre as avaliações das duas campanhas, que pode ou não coincidir com a avaliação de quem mais interessa: o eleitorado, especialmente o indeciso, o que vota nulo ou o que é passível de mudar de voto, para um lado ou para outro.
O fato é que a estréia demarcou o território do segundo turno: Lula tentando trazer FHC para o debate, e Alckmin insistindo na ética: "De onde veio o dinheiro do dossiê?" Sem resposta, Lula se imobiliza e deixa a dúvida: será que a resposta é pior do que não tê-la?


elianec@uol.com.br

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