São Paulo, domingo, 10 de novembro de 2002

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LIMITES PARA O BC

Dar independência aos bancos centrais tornou-se, em algumas teorias econômicas, a principal engrenagem institucional para a defesa da estabilidade de preços.
O tema, que está longe do consenso, ganhou algum destaque durante o governo Fernando Henrique Cardoso e, agora, frequenta a agenda da transição. Mais amena, a tese predominante é a de conceder "autonomia" à política monetária.
Defendida no final do mandato de FHC, a idéia tem óbvias implicações políticas. Seria uma forma de garantir continuidade à atual política econômica, que ganharia uma espécie de blindagem contra o populismo.
Há dois riscos. Um é acreditar que continuidade, confiança e eficácia na política monetária se criam por decreto. Outro é subestimar as repercussões políticas de retirar poderes da Presidência da República.
Mas não há consenso: é a independência dos bancos centrais que garante a estabilidade? Ou é a conquista da estabilidade de preços que cria as condições e produz confiança na autoridade monetária, a ponto de a sociedade conceder aos técnicos do banco central maior autonomia?
Na prática, o fortalecimento de um banco central é resultado principalmente de um processo de separação entre política monetária e política fiscal. Trata-se de criar garantias de que não haverá emissão de moeda para aumentar os gastos públicos.
No Brasil, essa separação vem ocorrendo de modo sistemático desde o fim da conta-movimento entre o Banco do Brasil e o Banco Central, em 1986. A partir de então, várias outras medidas e instituições vêm sendo criadas, sempre no sentido de preservar a independência do BC em relação à política fiscal, culminando na aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
A privatização de bancos e a reestruturação de dívidas estaduais são exemplos também do esforço para dar racionalidade e visibilidade aos problemas e políticas financeiras do setor público brasileiro.
Tudo isso, no entanto, ainda precisa ser posto à prova e completado por medidas mais urgentes que a decretação da autonomia do BC.
O exemplo maior é o da reforma tributária. Enquanto o financiamento do Estado estiver fundado em impostos de má qualidade, a política econômica estará sob suspeição.
Finalmente, a questão não pode ser tratada apenas do ponto de vista técnico. Limitar o poder da Presidência da República, que tem mandato, hipertrofiando o BC, equivaleria a criar um quarto poder, de legitimidade duvidosa, para dizer o menos.
Principalmente num momento em que a continuidade do modelo econômico patrocinado por FHC torna-se mais incerta, ainda que no curto prazo prevaleçam as diretrizes do FMI (muitos cobram ou acreditam que o PT, no governo, será mais monetarista que o Fundo, para se mostrar confiável ao sistema financeiro).
Entretanto, uma reforma dessa ordem exige um debate político que vai muito além da questão inflacionária ou de controle das contas públicas.
Há polêmica nesse terreno, da prioridade à promoção do crescimento ao grau de abertura do país aos fluxos de capitais internacionais.
As escolhas refletirão não apenas dilemas econômicos, mas opções políticas que seria irresponsável reprimir, ignorar ou camuflar. Dizer não à independência, ou autonomia, do Banco Central parece, portanto, o caminho mais responsável a seguir.



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