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NELSON MOTTA
Preferência nacional
RIO DE JANEIRO - "É mentira!",
bradou Severino Cavalcanti, de dedo em riste, em rede nacional, para
os que o acusavam de embolsar um
mensalinho. O resto é história, mais
resto do que história.
"Mentiras sinceras me interessam", Cazuza cantava com lirismo
uma carência desesperada. Mas ele
não era polícia nem ladrão. Nem
presidente da República.
"Mentir é um direito do acusado", proclamou o novo governador
da Bahia, Jaques Wagner, certamente pensando mais nos companheiros em apuros do que no Estado democrático de Direito. O direito do réu é não se incriminar, perjúrio ainda é crime no Brasil, apesar
de toda a impunidade.
Em países civilizados, pode até
derrubar governos. Bill Clinton,
mesmo vitorioso e popularíssimo,
sofreu um processo de impeachment, não porque teve um caso com
uma estagiária gorducha -mas
porque mentiu. Entre nós, a mentira é não só tolerada como recompensada. A atual verdade brasileira
é: minto, logo existo.
Treinados para resistir a pressões
e torturas para não entregar companheiros, planos e organizações,
alguns heróicos combatentes da luta armada morreram sem falar, outros foram humanos e não resistiram, mas isso tudo é passado. Muitos que hoje estão no poder foram
adestrados nessa dura escola da
"mentira nobre", e continuam mestres na especialidade. Afinal, para
quem se preparou para enfrentar os
interrogatórios nos porões da ditadura, mentir cínica e deslavadamente numa CPI, na Polícia Federal ou na imprensa é um deleite.
Parafraseando o imortal Tim
Maia ("não fumo, não bebo e não
cheiro -mas às vezes minto um
pouquinho"), pode-se dizer que
nunca na história deste país tantos
mentiram tanto em tão pouco tempo. E nunca tantos acreditaram. Ou
estou mentindo?
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