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FERNANDO GABEIRA
O avanço do mar
A SEMANA veio em ondas.
Comecei nas praias da área
metropolitana de Recife. O
mar tem avançado nas quatro cidades que visitei. Não se pode dizer
que seja o aquecimento global, mas
tudo que aprendermos ali pode nos
ajudar no futuro. Daí nosso esforço
de aprender com os holandeses.
Espero um dia ver soluções mais
permanentes. As tentativas improvisadas de proteção já foram desfiguradas pelo avanço do mar.
No avião, tive de me ajustar ao
debate da semana: prostituição. O
projeto de legalização rolava havia
cinco anos. Fiquei surpreso com
sua entrada na agenda. Era aproveitar a chance, embora, no fundo,
fosse pessimista quanto ao resultado. Se a esperada derrota viesse,
que pelo menos fosse o mais pedagógica possível.
A Copa do Mundo na Alemanha
não só levou muitos brasileiros para lá como suscitou reportagens
aqui sobre a prostituição legalizada. Novelas também, à sua maneira, levaram a pensar sobre o tema.
Tudo isso ajuda, mas a verdade é
que, de lá para cá, a correlação de
forças mudou. Há sempre os mesmos apelos para a família, religião,
mas a tese abolicionista ganhou
um pouco mais de corpo. Agora,
colocam o fim da prostituição como um objetivo. A seu favor, informo que nenhum deles chegou a determinar um prazo.
Houve quem comparasse o tema
com tráfico de órgãos, cuja existência não implica em tolerância. O
único tráfico de órgão que associo à
prostituição é a orelha de Van
Gogh. Mesmo assim, aquilo foi
uma doação.
Mas houve também muitos argumentos que precisam ser levados em conta, como um balanço
real das experiências na Holanda e
na Alemanha -e agora na Austrália. É preciso mais proximidade
com os grupos que lutam contra a
prostituição infantil para articular
com leis que vêm de uma comissão
que estudou o assunto.
Os discursos por aqui deixam
sempre no ar a hipótese de um limite até onde a maioria pode chegar. É preciso encontrá-lo, construí-lo com cuidado. Estamos numa maré bem conservadora, o que
significa mais trabalho e aplicação
para resultados modestos.
Um projeto desse tipo, ideal para
a demagogia de alguns adversários,
nos faz relembrar a delicadeza de
remar contra a maré.
O mar continua avançando nas
praias do Nordeste. Pelo menos aí,
na proteção contra o mar, espero
aprovação para uma saída holandesa.
A semana foi apenas o que os
aviadores chamam de janela -um
momento para voltar aos projetos
permanentes.
Sinais da crise na aviação, turbulências no campo energético. O fluxo dos acontecimentos vai nos dar
uma nova folga?
assessoria@gabeira.com.br
FERNANDO GABEIRA escreve aos sábados nesta
coluna.
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