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TENDÊNCIAS/DEBATES
A ciência pode abrir mão de fazer experiências com animais?
NÃO
Uma necessidade científica básica
LUIZ EUGENIO MELLO
PRECISAMOS respirar? Essa poderia ser a tradução da pergunta
sugerida. O uso de animais é tão
básico para a ciência como é respirar
para qualquer um de nós. Para explicar de outra forma, a interrupção da
experimentação animal representaria a morte de parte importante da
ciência, do ser humano e do planeta.
É claro que podemos voltar para a
Idade da Pedra e tentar viver sem
energia elétrica, sem os excessos do
mundo moderno e em plena harmonia com a natureza. Para os que não
percebem a falácia oculta nessa utopia, relembro apenas que nesse mundo idealizado não haveria tampouco
os avanços médicos que permitem a
milhões de pessoas existir. Ideal para
quem, portanto?
Digamos que não se trate de renegar toda a ciência e os avanços do
mundo moderno, mas simplesmente
de impedir o sofrimento dos animais
de experimentação. Dizendo de outra
forma, deveríamos impedir a experimentação animal, pois o sofrimento
de qualquer criatura deve ser evitado
a todo custo. Fora dessa equação, ficam todos os pacientes que hoje sofrem de doenças incuráveis. Fora dessa equação, ficam todas as futuras vítimas de novas doenças. Poucas pessoas? Lembremo-nos apenas da dengue. Doença antiga e ainda sem cura.
Neste ano, as pesquisas com animais
de laboratório indicam que há uma
possível vacina. Teríamos essa vacina
sem animais? Não. Talvez no século
22, 23 ou no futuro remoto.
Espécies animais são extintas o
tempo todo. Teríamos capacidade de
preservar ou recriar animais sem experimentação animal? Não. É só porque aprendemos a dominar a fertilização in vitro e a clonagem que hoje
somos capazes de impedir a extinção
de aves, gatos selvagens etc.
Cientistas são pessoas como quaisquer outras. Não são sádicos nem
monstros. Assim, é importante esclarecer a população sobre alguns aspectos. A primeira delas é que ciência não
se associa a maus-tratos de animais.
Nas atividades de pesquisa, o uso de
cobaias segue normas éticas. Os cientistas trabalham arduamente na busca de respostas para questões que afligem tanto homens como animais.
Outro argumento apresentado é a
existência de diferenças anatômicas e
fisiológicas entre ratos, rãs, cães, gatos e gambás e os humanos. Certamente há diferenças, mas há muito
mais similaridades. A biologia molecular tem sido pródiga em demonstrar a riqueza de informações possíveis de serem obtidas a partir da biologia comparativa.
O fato de testes de drogas em ratos
e chimpanzés terem mostrado alguns
efeitos diferentes quando aplicados a
seres humanos também tem sido listado entre os argumentos contra o
uso de animais de experimentação.
Os que se opõem fazem referência
ao caso da talidomida. Após a talidomida, as regras mudaram. Podemos
dizer que, se não fosse a experimentação animal, teríamos dezenas de casos equivalentes ao da talidomida.
Outra questão polêmica é a introdução de técnicas alternativas que
substituam a utilização de animais
em ensino e pesquisa, tais como uso
de células em cultura e biologia computacional. Esses procedimentos são
completamente diferentes. Se os
computadores pudessem prever tudo, a experimentação animal certamente seria desnecessária. Isso não é
assim em nenhum país do mundo.
Não há como prever todas as interações de um organismo complexo.
Em 1995, o então deputado Sérgio
Arouca apresentou o projeto de lei
1.115, que estabelece procedimentos
para o uso científico de animais. O
projeto foi elaborado com competência e integridade intelectual, mas
questionado em alguns pontos. Foi
então apresentado o PL 3.964/97.
Em outubro de 2007, completaram-se 12 anos desde a proposição de
Arouca e uma lei ainda não foi regulamentada no país.
O uso de animais na ciência é absolutamente necessário. Ciência é questão de soberania nacional. Não se trata de procedimento obsoleto. Nossa
segurança estaria mais comprometida caso não pudéssemos antes testar
esses medicamentos em animais de
laboratório. Analgésicos, antiinflamatórios, vacinas, antibióticos, hormônios em suas versões mais modernas dependeram tanto da experimentação animal como nós dependemos
do ar para respirar e viver.
LUIZ EUGENIO ARAUJO DE MORAES MELLO, 50, graduado em medicina, mestre e doutor em biologia molecular com pós-doutorado em neurofisiologia pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles (EUA), é professor titular de fisiologia e pró-reitor da Universidade Federal de
São Paulo e presidente da Federação das Sociedades de
Biologia Experimental.
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