São Paulo, sábado, 10 de novembro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A ciência pode abrir mão de fazer experiências com animais?

NÃO

Uma necessidade científica básica

LUIZ EUGENIO MELLO

PRECISAMOS respirar? Essa poderia ser a tradução da pergunta sugerida. O uso de animais é tão básico para a ciência como é respirar para qualquer um de nós. Para explicar de outra forma, a interrupção da experimentação animal representaria a morte de parte importante da ciência, do ser humano e do planeta.
É claro que podemos voltar para a Idade da Pedra e tentar viver sem energia elétrica, sem os excessos do mundo moderno e em plena harmonia com a natureza. Para os que não percebem a falácia oculta nessa utopia, relembro apenas que nesse mundo idealizado não haveria tampouco os avanços médicos que permitem a milhões de pessoas existir. Ideal para quem, portanto?
Digamos que não se trate de renegar toda a ciência e os avanços do mundo moderno, mas simplesmente de impedir o sofrimento dos animais de experimentação. Dizendo de outra forma, deveríamos impedir a experimentação animal, pois o sofrimento de qualquer criatura deve ser evitado a todo custo. Fora dessa equação, ficam todos os pacientes que hoje sofrem de doenças incuráveis. Fora dessa equação, ficam todas as futuras vítimas de novas doenças. Poucas pessoas? Lembremo-nos apenas da dengue. Doença antiga e ainda sem cura.
Neste ano, as pesquisas com animais de laboratório indicam que há uma possível vacina. Teríamos essa vacina sem animais? Não. Talvez no século 22, 23 ou no futuro remoto.
Espécies animais são extintas o tempo todo. Teríamos capacidade de preservar ou recriar animais sem experimentação animal? Não. É só porque aprendemos a dominar a fertilização in vitro e a clonagem que hoje somos capazes de impedir a extinção de aves, gatos selvagens etc.
Cientistas são pessoas como quaisquer outras. Não são sádicos nem monstros. Assim, é importante esclarecer a população sobre alguns aspectos. A primeira delas é que ciência não se associa a maus-tratos de animais.
Nas atividades de pesquisa, o uso de cobaias segue normas éticas. Os cientistas trabalham arduamente na busca de respostas para questões que afligem tanto homens como animais.
Outro argumento apresentado é a existência de diferenças anatômicas e fisiológicas entre ratos, rãs, cães, gatos e gambás e os humanos. Certamente há diferenças, mas há muito mais similaridades. A biologia molecular tem sido pródiga em demonstrar a riqueza de informações possíveis de serem obtidas a partir da biologia comparativa.
O fato de testes de drogas em ratos e chimpanzés terem mostrado alguns efeitos diferentes quando aplicados a seres humanos também tem sido listado entre os argumentos contra o uso de animais de experimentação.
Os que se opõem fazem referência ao caso da talidomida. Após a talidomida, as regras mudaram. Podemos dizer que, se não fosse a experimentação animal, teríamos dezenas de casos equivalentes ao da talidomida.
Outra questão polêmica é a introdução de técnicas alternativas que substituam a utilização de animais em ensino e pesquisa, tais como uso de células em cultura e biologia computacional. Esses procedimentos são completamente diferentes. Se os computadores pudessem prever tudo, a experimentação animal certamente seria desnecessária. Isso não é assim em nenhum país do mundo.
Não há como prever todas as interações de um organismo complexo.
Em 1995, o então deputado Sérgio Arouca apresentou o projeto de lei 1.115, que estabelece procedimentos para o uso científico de animais. O projeto foi elaborado com competência e integridade intelectual, mas questionado em alguns pontos. Foi então apresentado o PL 3.964/97.
Em outubro de 2007, completaram-se 12 anos desde a proposição de Arouca e uma lei ainda não foi regulamentada no país.
O uso de animais na ciência é absolutamente necessário. Ciência é questão de soberania nacional. Não se trata de procedimento obsoleto. Nossa segurança estaria mais comprometida caso não pudéssemos antes testar esses medicamentos em animais de laboratório. Analgésicos, antiinflamatórios, vacinas, antibióticos, hormônios em suas versões mais modernas dependeram tanto da experimentação animal como nós dependemos do ar para respirar e viver.


LUIZ EUGENIO ARAUJO DE MORAES MELLO, 50, graduado em medicina, mestre e doutor em biologia molecular com pós-doutorado em neurofisiologia pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles (EUA), é professor titular de fisiologia e pró-reitor da Universidade Federal de São Paulo e presidente da Federação das Sociedades de Biologia Experimental.

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