|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
A ciência pode abrir mão de fazer experiências com animais?
SIM
Essa ciência não entrega a cura prometida
SÔNIA T. FELIPE
AS INVESTIGAÇÕES científicas
mais relevantes para a preservação da saúde e da vida humanas resultaram de estudos feitos com
base na clínica, na observação e no
mapeamento das doenças que mais
incidem sobre a população humana
ou de estudos voltados para a prevenção das doenças, não exclusivamente
para o combate de seus sintomas.
As descobertas científicas que mais
contribuíram para prolongar a vida
humana resultaram basicamente de
estudos e observações clínicos, e não
de testes feitos em animais vivos de
outras espécies.
Via de regra, estudos baseados no
modelo animal vivo (vivissecção) servem apenas para desenvolver a habilidade dos cientistas na construção de
modelos que terão de ser, mais tarde,
redesenhados para a aplicação em estudos destinados à investigação de
possíveis terapêuticas para doenças
humanas.
Após todo esse esforço, as drogas
não funcionam como prometido.
Muitas delas são retiradas do mercado após constatada sua letalidade para humanos.
A ciência usa o dinheiro e investe o
tempo de seus operadores se perdendo nos labirintos da vivissecção. Seu
investimento nesse único método de
pesquisa é diretamente proporcional
ao seu fracasso em responder satisfatoriamente às questões às quais se
propõe responder com a investigação.
Enquanto gerações e gerações de
jovens cientistas são transformadas
em vivisseccionistas sob a imposição
hegemônica de uma ideologia claramente fracassada, outras tantas gerações de jovens, bebês e adultos morrem a cada ano daquelas mesmas
doenças que o cientista há mais de
cinco ou seis décadas promete curar
ao buscar em organismos de ratos e
camundongos a resposta para males
que afetam cada vez mais devastadoramente organismos de indivíduos
humanos.
A ciência vivisseccionista não tem
feito nenhum progresso na busca da
cura dos grandes males que produzem as doenças crônicas, dolorosas e
letais mais comuns em organismos
humanos: câncer, acidentes vasculares, diabetes, hipertensão, mal de Alzheimer, mal de Parkinson.
Além do fracasso evidente de todas
as drogas até hoje empregues para a
"cura" dessas doenças, é preciso contabilizar o fracasso de outras inventadas a partir do modelo vivisseccionista para o tratamento das demais
doenças que afligem os seres humanos, a exemplo da depressão e de outras formas de sofrimento psíquico.
Ao adotar o organismo de camundongos, ratos, cães, gatos, porcos, cavalos, aves e primatas não humanos
como referência para a investigação, a
ciência deixa de estudar e conhecer o
organismo e o psiquismo dos seres da
espécie humana, a destinatária de
seus resultados.
O que o cientista vivisseccionista
faz é estudar a fisiologia dessas doenças em organismos que, via de regra,
nem sequer as produzem naturalmente. É preciso "fabricar" um camundongo com câncer para testar
nele as drogas prometidas para curar
o câncer em organismos que não foram "fabricados" com câncer, mas
que o desenvolvem. A morte por câncer continua a ser praticamente previsível, apesar das drogas às quais o
paciente humano é submetido na "luta contra" ele. Adiar a morte não cura.
Essa ciência pode abrir mão do uso
de animais vivos, pois, embora ela tenha produzido uma quantidade incalculável de drogas para combater os
sintomas de tais males, ao sustentar
sua investigação no vivisseccionismo,
não produz resultados que garantem
a "cura" de nenhum daqueles males
mais freqüentes que afetam crônica
ou agudamente a saúde e destroem a
vida humana.
SÔNIA TERESINHA FELIPE, 53, doutora em filosofia moral e teoria política pela Universidade de Konstanz (Alemanha) com pós-doutorado em bioética-ética animal pelo
Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa (Portugal),
é professora da graduação e da pós-graduação em filosofia e do doutorado interdisciplinar em ciências humanas
da Universidade Federal de Santa Catarina.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Luiz Eugenio Mello: Uma necessidade científica básica Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|