São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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Propaganda é coisa séria

ANTONIO ATHAYDE


A sociedade sabe escolher o que lhe convém, sem precisar de entidades, de governo ou não, que diga o que fazer ou o que comprar

EM CONTATO com o mundo da propaganda desde 1977, acompanho os movimentos de anunciantes e agências, de diretores de marketing e criativos em busca da atenção do público para que, uma vez que a consigam captar, transmitam as qualidades de seus serviços ou produtos de maneira convincente.
Na maior parte desse período, nossa publicidade foi movida à inflação.
Com o valor da moeda caindo fortemente a cada mês, as tabelas de preços dos veículos mudavam com tamanha rapidez que parar para planejar a mídia, atividade essencial para o uso racional das verbas dos anunciantes, era mais do que difícil, era inútil. Daí a supervalorização da criação diante das demais áreas das agências, já que ter o comercial nos veículos de maior penetração o mais rapidamente possível era fundamental. E, quanto mais criativo, melhor.
Depois do Plano Real, o mercado ganhou o tempo que não tinha. Ao se multiplicarem as opções de meios de comunicação -jornais e revistas segmentados, jornais gratuitos, TV paga, internet, celulares, marketing viral-, o exercício de planejar a mídia fazendo uso inteligente das verbas se tornou muito mais complexo.
Paradoxalmente, nosso mercado entrou numa fase que talvez possa ser chamada de "fase Caras" ou, quem sabe, uma "Zeca fase".
Com a ascensão às diretorias de marketing de pessoas com um perfil mais sensível à promoção pessoal, de profissionais em busca de fotos e notas nas colunas sociais, de premiações fáceis, com essa maneira "Big Brother" de ser, observou-se o advento de uma nova moda.
Celebridades artísticas e esportivas, consagradas e nem tanto, para sua alegria, passaram a ser entronizadas como vendedoras de tudo. Fenômeno aparentemente contagiante, as ilhas de Caras e Comandatubas ganharam até as presenças de empresários que não se supunha pudessem ser atraídos por esse tipo de isca pós-moderna.
Ao mesmo tempo, surge um movimento que atribui à publicidade a fonte de todos os males da sociedade.
O produto engorda? Proíba-se a propaganda de salgadinho! Há gente que bebe e dirige? Elimine-se a bebida da televisão! A automedicação está aumentando? Anvisa nos anúncios de remédio! As crianças se tornam consumidores precoces? Que não se anuncie nos programas infantis! Que simples maneira de resolver os problemas do país! Entre egos em chamas de um lado e fúria proibitiva, essa sanha de tutelar a sociedade do outro, poucos se lembram de que uma democracia pressupõe veículos de comunicação independentes e que essa independência está calcada, em grande parte, na existência de um mercado publicitário ativo e forte.
Restrições à publicidade levarão, necessariamente, a órgãos de imprensa dependentes de governos, que sempre buscarão ver publicadas matérias de seu interesse ou editadas de modo que os políticos apareçam como nos programas eleitorais: sob a fantasia e o botox dos marqueteiros.
É nesse contexto que, atravessando um atlântico virtual, chega a mãe de todas as crises. Bolsos de empresas e de consumidores ficarão mais estreitos nesta "Zeca hora". Anunciar, como sempre, é preciso. Falar com o consumidor da maneira correta, contribuir para que o motor da economia que é a propaganda continue operando de maneira eficiente será fundamental. A economia de escala e a concorrência acirrada são armas poderosas contra a inflação e contribuem para a preservação de empregos. Tanto uma como outra são viabilizadas pela capacidade das empresas de levar informação aos consumidores. Sim, anunciar é informar.
Que haja uma profunda reflexão sobre a mania de celebridades a qualquer preço, nos palcos ou nas coxias.
Essa não parece ser a melhor maneira de usar o caixa das empresas na dura tarefa de disputar os ariscos corações, mentes e bolsos das pessoas.
O setor precisa aperfeiçoar seus mecanismos auto-regulatórios, fazê-los mais conhecidos pelo público para que por ele sejam acionados, visando coibir as práticas que ferem a ética.
É evidente, e a cada eleição a população brasileira mostra com clareza: o povo sabe julgar as mensagens que lê, ouve, vê ou com as quais interage através dos meios de comunicação. A sociedade sabe escolher o que lhe convém, sem precisar de entidades, governamentais ou não, que lhe diga o que fazer ou o que comprar.
Por tudo isso, é hora de levar a propaganda tão a sério quanto é importante seu papel.

ANTONIO ATHAYDE , 62, engenheiro, é diretor-executivo da ANJ (Associação Nacional de Jornais). Foi executivo sênior da Rede Globo, Gobosat/NET Brasil, Globopar, Rede Bandeirantes e SBT. Trabalhou como consultor da Telefónica para projetos de TV na América Latina e para o Grupo Abril.



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