São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2000

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BRASIL SÓ

A estratégia brasileira de enfrentar melhor a globalização com o Mercosul está ameaçada.
O Chile, que negociava a adesão plena ao Mercosul, do qual é hoje apenas associado, anunciou na semana passada sua opção preferencial por um acordo com os EUA.
No próprio Mercosul, a crise da Argentina colocou esse país vizinho numa situação de tamanha vulnerabilidade externa que a integração regional também deixa de ser prioridade, deslocada pelo imperativo do alinhamento com o FMI.
Sem poder para ser líder regional, talvez não reste opção à diplomacia brasileira senão recuar para, mais adiante, nas negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), tentar exercer maior influência. Resta saber quais seriam as medidas que, nesse sentido, poderiam ser adotadas pelo Brasil.
De um lado estão os adeptos da liberalização unilateral, hegemônicos na política econômica brasileira na última década. Acreditam que a globalização não só é um processo irreversível, mas que também esmaga os que tentam opor-lhe resistência.
Nessa visão, quanto maior o alinhamento da política econômica às expectativas dos investidores e credores estrangeiros, maior a credibilidade do país e, portanto, seu potencial de desenvolvimento econômico.
Ainda sob a ótica ultraliberal, ações de governo e sistemas políticos regionais apenas criariam ruídos, burocracia e corrupção. Projetos como o do Mercosul, por exemplo, seriam só uma interferência no funcionamento eficiente dos mercados. Assim, em vez de postular uma reorganização das defesas econômicas do Brasil, os ultraliberais pressionam por nova rodada de abertura, com redução de tarifas de importação e adesão mais rápida à Alca. Acreditam ingenuamente que o país seria recompensado com maior acesso ao mercado norte-americano.
Contra essa corrente, atuando em alguns setores do governo federal e na periferia da aliança governista, estão os defensores de uma estratégia nacional de desenvolvimento. Além disso, ganha mais força a constatação de que as políticas comerciais e financeiras dos últimos anos aumentaram a fragilidade do Estado, a dependência externa e a crise social.
Os críticos da ortodoxia ultraliberal não vêem a ordem econômica internacional como um processo harmonioso. Ao contrário, entendem que a globalização é um jogo competitivo. Nesse enfrentamento, os mais bem-sucedidos, tanto no Primeiro Mundo quanto nos países em desenvolvimento mais avançados, lançam mão de políticas de Estado para enfrentar a competição.
Entre elas incluem-se medidas de apoio setoriais, colaboração entre agências do governo e iniciativa privada, políticas de financiamento que privilegiam empresas nacionais e incentivos fiscais aliados a políticas científicas e tecnológicas.
Projetos como o do Mercosul podem ser úteis para influenciar o jogo da competição global, evitando a adesão passiva às pressões dos países mais ricos e dando chances ao fortalecimento de empresas de países em desenvolvimento. O Mercosul é, portanto, crucial, mas só tem sentido no âmbito de uma visão estratégica do desenvolvimento.
Corre-se, no entanto, o risco, no final do governo FHC, de uma nova ofensiva ultraliberal nas políticas comercial e financeira, inspirada no alinhamento preferencial do Ministério da Fazenda e do Banco Central às orientações do FMI e da comunidade financeira internacional. Risco, aliás, que o presidente não ignora, pois reconheceu que a globalização é um processo desigual.
Contra essa ameaça, o que falta não é a formulação de políticas alternativas, mas a mobilização social e política dos setores que ainda acreditam na viabilidade de uma estratégia nacional de desenvolvimento.


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