São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2000

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Abin: preconceitos versus princípios


"Não gosto de princípios; prefiro os preconceitos". Oscar Wilde


ALBERTO MENDES CARDOSO

Certos debates acerca da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) parecem aceitar a provocação do escritor irlandês. Com efeito, os mais transparentes princípios norteadores da nova instituição parecem obscurecidos por preconceitos. Afirma-se que a recém-criada agência, filha do momento democrático brasileiro nesta virada de milênio, só pode ser o espelho de obsoletas instituições da Guerra Fria.
Apaga-se o fato de que a Abin nasceu de um ano de debates no Executivo, seguido de dois anos e três meses de análise no Congresso Nacional. Ignora-se que está submetida a controles estritos do Executivo e, externamente, do Legislativo. Ademais, o Estado Democrático de Direito dá ao Poder Judiciário e ao Ministério Público Federal os instrumentos com que coibir quaisquer abusos da agência contra o cidadão.
Não menos importante, a opinião pública e a imprensa provaram, à saciedade, nas últimas semanas, a capacidade da nação de fiscalizar essa vertente do poder público.
O mais visível dos sinais dos "novos tempos" na atividade de inteligência ocorreu na última quinta-feira, dia 7 de dezembro, com a primeira visita dos parlamentares integrantes do "Conselho Parlamentar de Fiscalização e Controle da Política Nacional de Inteligência" (CPNI) à sede da Abin. Não foi, obviamente, o primeiro contato dos parlamentares com essa área do governo.
O deputado José Genoíno, por exemplo, já proferiu palestras para os alunos da Escola de Inteligência. No entanto, essa visita, no exato dia em que se comemorava o primeiro ano do nascimento da agência, marca, de forma emblemática, o despertar de um relacionamento inovador da sociedade, representada pelos parlamentares, com a Abin.
O cenário do encontro foi extraordinário. Por mais de quatro horas, os congressistas conversaram com o que era tido como o "mundo das sombras". Eu e a diretora-geral substituta nos juntamos a todos, repito, a todos os chefes de departamento e diretores, portando crachás de identificação, para responder, franca e transparentemente, às indagações dos visitantes.
Confesso que, nesse momento, senti certa emoção ao constatar a materialização diante de meus olhos de objetivo que acalentei desde que o senhor presidente Fernando Henrique Cardoso me confiou, em 1996, a responsabilidade de reorganizar a atividade de inteligência: dotar o país de uma agência cujo funcionamento esteja em plena consonância com os pressupostos do Estado Democrático de Direito.
Não obstante alguns momentos naturalmente tensos no diálogo, ambas as partes, para minha satisfação, faziam-se parceiros na construção dos "novos tempos".
O diálogo então mantido permitiu pormenorizar as informações que já havia adiantado ao Congresso sobre as "denúncias" veiculadas, nas últimas semanas, a respeito da suposta "bisbilhotice" da agência em relação à vida de governador de Estado, procurador da República e do filho do senhor presidente da República, bem como sobre a atuação do Ministério da Saúde.
Acredito que as explicações tenham sido vistas como satisfatórias. Foram retirados todos os requerimentos apresentados ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados convocando-me para prestar esclarecimentos sobre a atuação da Abin.
Terão cessado todas as denúncias sobre a Abin? Parece que não, a despeito de nossa permanente disponibilidade para explicar o trabalho da agência. A maledicência dirige-se agora a atos administrativos perfeitamente legais e rotineiros. A partir dos dados sobre a cessão de funcionários da Abin para outros órgãos da administração pública federal, fabrica-se a teoria de que o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional estaria montando uma rede de espiões que cobriria todos os nichos do governo.
Está, pois, lançada a versão tropical do "Grande Irmão", criação de George Orwell que tudo vê e que tudo fiscaliza. Em verdade, essas cessões de servidores, em detrimento da própria Abin, ocorrem em atendimento a pedidos formais dos órgãos requisitantes. Receio, contudo, que a "rede de espiões" entre, junto a tantos outros preconceitos, para o imaginário da nossa vida política.
No fogo desse escrutínio, forja-se a têmpera da Abin.


Alberto Mendes Cardoso, 60, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e general de divisão do Exército.



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