São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O Dia dos Direitos Humanos e a pobreza

LOUISE ARBOUR


1 em cada 7 habitantes do planeta passa fome. A pobreza é um dos problemas de direitos humanos mais graves do nosso tempo


A POBREZA é, freqüentemente, uma causa e, ao mesmo tempo, uma conseqüência da violações dos direitos humanos. E, no entanto, a ligação entre a carência extrema e os abusos continua à margem dos debates sobre políticas e estratégias de desenvolvimento.
Neste ano, a fim de chamar a atenção para essa correlação crucial, mas muitas vezes ignorada, o Dia dos Direitos Humanos, celebrado hoje, é dedicado à luta contra a pobreza. Deveria constituir não só uma oportunidade para refletir mas também um apelo para que os governos, bem como as comunidades ativas nas áreas dos direitos humanos e do desenvolvimento, tomem medidas para assegurar que todos tenham uma vida digna.
Todos os direitos humanos são importantes para os pobres porque a miséria e a exclusão estão ligadas à discriminação, a um acesso desigual aos recursos e às oportunidades e à estigma social e cultural.
O fato de os direitos dos pobres lhes serem negados faz com que lhes seja mais difícil participar do mercado de trabalho e ter acesso a serviços básicos e recursos. Em muitas sociedades, são impedidos de gozar os seus direitos à educação, à saúde e à habitação simplesmente porque os recursos de que dispõem não permitem. Isso dificulta a sua participação na vida pública, a sua capacidade de influenciar as políticas que os afetam e de obter reparação das injustiças de que são alvo.
A pobreza significa não só rendimento e bens materiais insuficientes mas também uma falta de recursos, oportunidades e segurança que mina a dignidade e exacerba a vulnerabilidade dos pobres. A pobreza também tem a ver com poder: quem o detém e quem não o detém, tanto na vida pública como no seio da família.
Para compreender e atacar mais eficazmente padrões enraizados de discriminação, desigualdade e exclusão que condenam indivíduos, comunidades e povos a gerações sucessivas de pobreza, é indispensável chegar ao âmago das redes complexas de relações de poder nas esferas política, econômica e social.
Contudo, a pobreza é, com freqüência, vista como uma situação lamentável, mas acidental; ou como uma conseqüência inevitável de decisões e acontecimentos ocorridos noutros lugares; ou como sendo da exclusiva responsabilidade de quem a sofre.
Uma abordagem global dos direitos humanos não se limita a abordar as idéias erradas e os mitos em torno dos pobres, ajudando antes -o que é ainda mais importante- a encontrar vias sustentáveis e eqüitativas para sair da pobreza. Ao reconhecer que recai sobre os Estados a obrigação de proteger as suas populações da pobreza e da exclusão, essa abordagem faz ressaltar a responsabilidade dos governos pela criação de um ambiente que fomente o bem-estar público.
Também permite que os pobres ajudem a formular políticas para a realização dos seus direitos e tentem obter reparação quando ocorrem abusos. Essa abordagem tem sólidos fundamentos jurídicos. Todos os Estados ratificaram pelo menos 1 dos 7 principais tratados sobre direitos humanos e 80% ratificaram quatro deles ou mais. Além disso, a comunidade mundial aprovou os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que fixam metas para esforços internacionais destinados a resolver o problema da pobreza e da marginalização.
Independentemente das limitações de recursos, os Estados podem tomar medidas para combater a pobreza. E os Estados que estão em condições de prestar assistência deveriam tomar a iniciativa de ajudar. A indiferença e uma visão estreita dos interesses nacionais podem ter efeitos tão negativos sobre os direitos humanos e o desenvolvimento quanto a discriminação.
No ano passado, o presidente do Banco Mundial, Paul Wolfowitz, afirmou que "não é moralmente justificável que os países ricos gastem 280 bilhões de dólares -quase o PIB total da África e o equivalente ao quádruplo do total da ajuda externa- para apoiar os produtores agrícolas".
Num de seus últimos discursos como secretário-geral da ONU, Kofi Annan afirmou que considerava a ênfase dada à luta contra a pobreza uma das maiores realizações de seus mandatos. Sublinhou a profunda vulnerabilidade e os ataques à dignidade humana que acompanham a pobreza. E, mais importante, identificou os direitos humanos, a segurança e o desenvolvimento como elementos indispensáveis de um mundo em que todos possam viver em maior liberdade.
Dado que 1 em cada 7 habitantes do planeta passa fome, essa liberdade depende da nossa capacidade de vencer a pobreza como um dos problemas de direitos humanos mais graves do nosso tempo.

LOUISE ARBOUR , 59, formada em direito na Universidade de Montreal (Canadá), doutora honoris causa de 27 universidades, é a alta comissária para os Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas).


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Boris Fausto: Desenvolvimento e qualidade de vida

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.