|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELIANE CANTANHÊDE
Casamento de interesse
BRASÍLIA - Quando o Estatuto da Criança e do Adolescente foi lançado,
ninguém levava a sério essa história
de voluntariado, de gente de barriga
cheia dedicando tempo e energia para os de barriga vazia. "É coisa de
americano", ironizavam.
Pois é. Dez anos depois, o Brasil é o
quinto país do mundo em voluntários, com 22% dos seus adultos envolvidos em projetos solidários, de infância, saúde, educação, profissionalização. Como comparação, na França, que é a França, são 23%.
FHC abriu a agenda do Alvorada
ontem para Milu Vilela e a comissão
do Ano Internacional do Voluntário,
criada pela ONU. Gente com sobrenome, dinheiro e disposição.
Foram convidar FHC, Ruth Cardoso e ministros das áreas sociais para
participarem de campanhas de divulgação e arregimentação de novos
voluntários na guerra contra a exclusão social. Jovens, de preferência.
E FHC: "Acho que o governo atrapalha mais do que ajuda". Em que
sentido? Tudo o que vem do governo
é cercado de desconfiança. Com a popularidade de FHC lá embaixo, fica
pior. Quando põe a cara convocando
a população para o que quer que seja, o efeito é contrário. Ninguém dá
ouvidos, ou todo mundo vira a cara.
Mesmo assim, FHC topou dar uma
aula, ou participar de uma ação de
saúde, ou se envolver de alguma forma da campanha, mas ficando claro
que só como mero convidado.
Por que aceitou? A chave da resposta pode estar na sugestão dele para
que a comissão se entendesse com
Andrea Matarazzo, o homem da publicidade do presidente e do governo.
A comissão acha ótimo ter figurões
como FHC, Ruth, Serra e Paulo Renato atuando (ou encenando) como
voluntários. Eles devem achar ótimo
estarem envolvidos em projetos politicamente corretos, "do bem".
Do ponto de vista da sociedade, os
voluntários devem se multiplicar,
mas sem servir de pretexto para a
omissão do Estado. Até porque, como
a gente vê, lê e sofre todos os dias, o
que era só politicamente correto está
virando dramaticamente urgente.
Texto Anterior: São Paulo - Vinicius Torres Freire: Limites e limitações Próximo Texto: Rio de Janeiro - Claudia Antunes: Na vanguarda Índice
|