São Paulo, quinta-feira, 11 de janeiro de 2001

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ELIANE CANTANHÊDE


Casamento de interesse



BRASÍLIA - Quando o Estatuto da Criança e do Adolescente foi lançado, ninguém levava a sério essa história de voluntariado, de gente de barriga cheia dedicando tempo e energia para os de barriga vazia. "É coisa de americano", ironizavam.
Pois é. Dez anos depois, o Brasil é o quinto país do mundo em voluntários, com 22% dos seus adultos envolvidos em projetos solidários, de infância, saúde, educação, profissionalização. Como comparação, na França, que é a França, são 23%.
FHC abriu a agenda do Alvorada ontem para Milu Vilela e a comissão do Ano Internacional do Voluntário, criada pela ONU. Gente com sobrenome, dinheiro e disposição.
Foram convidar FHC, Ruth Cardoso e ministros das áreas sociais para participarem de campanhas de divulgação e arregimentação de novos voluntários na guerra contra a exclusão social. Jovens, de preferência.
E FHC: "Acho que o governo atrapalha mais do que ajuda". Em que sentido? Tudo o que vem do governo é cercado de desconfiança. Com a popularidade de FHC lá embaixo, fica pior. Quando põe a cara convocando a população para o que quer que seja, o efeito é contrário. Ninguém dá ouvidos, ou todo mundo vira a cara.
Mesmo assim, FHC topou dar uma aula, ou participar de uma ação de saúde, ou se envolver de alguma forma da campanha, mas ficando claro que só como mero convidado.
Por que aceitou? A chave da resposta pode estar na sugestão dele para que a comissão se entendesse com Andrea Matarazzo, o homem da publicidade do presidente e do governo.
A comissão acha ótimo ter figurões como FHC, Ruth, Serra e Paulo Renato atuando (ou encenando) como voluntários. Eles devem achar ótimo estarem envolvidos em projetos politicamente corretos, "do bem".
Do ponto de vista da sociedade, os voluntários devem se multiplicar, mas sem servir de pretexto para a omissão do Estado. Até porque, como a gente vê, lê e sofre todos os dias, o que era só politicamente correto está virando dramaticamente urgente.


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