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LUCIANO MENDES DE ALMEIDA
Fome e valores
Permanece em nosso povo o clima de expectativa de mudança
para melhor. Mesmo diante de aumento de preços nos alimentos, transporte, remédios, gás de cozinha e outros, aguarda-se ainda que políticas
sociais venham a curto prazo facilitar
a luta cotidiana pelo emprego e por
condições dignas de vida.
No entanto, é necessário perceber
que, além das tão desejadas medidas
promissoras, há algo mais profundo
que precisa acontecer. É a mudança de
mentalidade. Há, com efeito, alguns
modos de pensar e agir que penetraram no inconsciente coletivo, alteram
a percepção de valores e induzem a
comportamentos que impedem a realização de uma sociedade solidária.
Podemos comparar esse modo de
pensar e agir que se difundem cada
vez mais à ação perniciosa dos "vírus"
que, pouco a pouco, destroem células
vitais e acabam por infeccionar o organismo. Não basta nesses casos o uso
de remédios paliativos. Requer-se a
atuação de antibióticos adequados até
debelar a infecção e restituir a saúde
ao corpo.
Assim também, no esforço notável
que vai sendo realizado em todo o
Brasil para erradicar a miséria e a fome, estão sendo aplicadas medidas urgentes, como a distribuição de cestas
básicas, o fortalecimento da merenda
escolar, a entrega de cartão para adquirir alimentos. Procura-se multiplicar a oferta de empregos e encontrar
várias formas para geração de renda.
A esse esforço, aliam-se as campanhas de alfabetização e capacitação ao
trabalho. Tudo isso é muito bom. Em
breve, haverá frutos positivos de todo
esse empenho da sociedade e das instâncias governamentais. Resta, no entanto,o problema dos "vírus" a ser debelado. Temos que retificar valores e
garantir critérios que permitam superar na raiz as causas das injustiças sociais e alcançar a necessária mudança
de mentalidade. Qual é essa mudança?
Existe uma atração para acumular
bens e conservá-los para si com exclusão dos outros. A capitalização de recursos se tornou sempre mais concentrada e menos distributiva. Identifica-se felicidade com a riqueza pessoal e
de pequenos grupos, isolando-se dos
demais e até ignorando-os. Surgiu, assim, a sociedade da acumulação exagerada de bens materiais gerando
enorme desigualdades sociais, com
estilo de vida consumista e de desperdício dos recursos da natureza. É essa
situação que precisa mudar.
O atual esclarecimento da consciência cívica e dos deveres da cidadania
há de sustentar a campanha contra a
fome. Parece-me, no entanto, de extrema importância que se aproveite a
oportunidade para a "conversão" radical de valores, indispensável para
atingir as raízes do mal. O que está em
questão é o ideal de vida e a realização
plena da pessoa humana.
Precisamos descobrir que os bens
espirituais e materiais de cada pessoa
têm uma dimensão social. Destinam-se também aos outros. Numa visão
cristã e fraterna da sociedade, recebemos os dons de Deus para reparti-los
com os irmãos. Compreendemos, então, que promover a melhor distribuição de benefícios e renda não é apenas
gesto de boa vontade, mas verdadeira
restituição dos bens que se destinam
não só a nós, mas aos irmãos, começando pelos mais necessitados.
No esforço da superação da fome,
encontra-se, pois, algo muito mais
profundo: a mudança de valores. Erradicar o "vírus" da acumulação
egoísta dos bens é abrir-se à construção de uma sociedade solidária e fraterna, que tem sua melhor inspiração
no Evangelho de Jesus Cristo, cujo
mandamento é o amor ao próximo.
Quando vamos aprender que só é feliz quem faz os outros felizes?
(Atos,20,35).
D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.
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