São Paulo, sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

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Medo da tesoura

Lula se vê como presa do monstro que ajudou a alimentar: é muito difícil cortar despesas com 90% de gastos obrigatórios

CADA MINISTRO que sai de uma conversa particular com o presidente Lula é um colosso de esperança. Deixa o Planalto espalhando a convicção de que na sua área não vai haver cortes, pois ali só há despesas sociais, investimentos estratégicos. Quando a tesoura se aproxima, até o dinheiro do cafezinho se torna verba social.
Como essenciais e imunes à navalha orçamentária também se afirmam várias categorias de servidores que vislumbram aumento de dotação neste ano. "O governo reconhece nossa defasagem salarial, mas fica com essa desculpa da CPMF", diz o representante da Advocacia Pública. O comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, segue a trilha: "O governo reconhece a necessidade de reajuste dos militares; tenho certeza de que vai sair".
Mais criativo é o argumento do líder dos fiscais da Receita: "Não pode jogar isso nos auditores, que vão ser responsáveis por arrecadar R$ 10 bilhões a mais". E as promessas de greve pipocam na mesma toada. Um sindicalista da CUT já ameaça Lula com a sexta greve de servidores em seu mandato e diz que o governo tem "gordura para queimar" -mas, claro, "em outros lugares".
O operador da motosserra, Paulo Bernardo, do Planejamento, definiu bem o clima que toma conta da máquina federal nos momentos que antecedem a definição dos cortes. "As pessoas de maneira geral tendem a achar que é excelente fazer corte, mas no outro lado da rua, no prédio vizinho, no outro Poder."
Os servidores que tiveram algum aceno do governo sobre aumento de salários ou verbas têm do que reclamar. Perceberam que a gestão Lula prometeu o que não tinha. Contou com R$ 40 bilhões anuais a serem sacados do contribuinte, mas se esqueceu de colocar um asterisco nos acordos: se a CPMF for renovada. Esse misto de empáfia e irresponsabilidade foi exemplarmente derrotado no Senado, na madrugada de 13 de dezembro.
A onda de lamúrias serve também como testemunho de que o governo Lula não dava a mínima importância ao imperativo de controlar as despesas públicas permanentes. A aprovação da CPMF teria dado ensejo a uma nova rodada de engessamento orçamentário, prejudicando ainda mais o contribuinte, os investimentos públicos e a geração de renda e emprego no país.
Agora Lula se vê como presa do monstro que ajudou a alimentar: é muito difícil cortar despesas quando o índice de desembolsos obrigatórios ronda 90%. No curto prazo, é preciso anular todo gasto corrente novo -aí incluídos os aumentos salariais. Ou o governo enfrenta as tremendas pressões que virão, ou não restará margem para os inadiáveis investimentos em infra-estrutura.


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