São Paulo, segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Fratura exposta

SÃO PAULO - Caso decida não respaldar a criação da Comissão da Verdade, o presidente Lula não estará apenas obrigado a aceitar a demissão do ministro Paulo Vannuchi. Deveria ainda extinguir a pasta dos Direitos Humanos, ou, quem sabe, anexá-la à Defesa, num gesto simbólico. Apetite não falta a Nelson Jobim, este político anfíbio sempre a serviço de si mesmo, no momento empenhado em preservar a memória dos... torturadores.
Já foi dito, inclusive aqui, que o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos pretende abranger questões demais, que induz ao tratamento leviano de problemas delicados e vocaliza anseios autoritários. Isso não deve, porém, arrastar para o lixo o tópico sobre o regime militar. É preciso ir contra o autoritarismo da esquerda e o da direita.
A diretriz 23 do documento prevê a constituição de uma comissão "plural e suprapartidária, com mandato e prazo definidos, para examinar as violações de direitos humanos praticadas no contexto da repressão política".
A Argentina criou a sua Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas em 1984, um ano após a ditadura. Chile, Peru, Paraguai criaram as suas. No Brasil, o grupo Tortura Nunca Mais, sob a liderança de d. Paulo Evaristo Arns, supriu a omissão dos órgãos públicos nos anos 70/80. Em 1995, FHC instalou a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que reconheceu, pela primeira vez, a responsabilidade do Estado pelas vítimas da ditadura. Mas muitos casos seguem sem esclarecimento.
Nos anos 2000, a Comissão da Anistia provocou uma avalanche de indenizações (a bolsa-ditadura), que premiou espertalhões e desmoralizou a questão. É hora de o país ser mais sério com sua história e recobrar o espírito de d. Paulo.
A tortura não foi um desvio, mas uma política de Estado. Os militares, porém, ainda chamam o golpe de 64 de "revolução" e escondem seus arquivos. Lula deve optar entre comprar essa briga ou desmoralizar de vez os direitos humanos.


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