|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
A herança envenenada de FHC
JOÃO PEDRO STEDILE E JEAN MARC VON DER WEID
Há mais de quatro anos, a CTNBio
(Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança), do Ministério da Ciência e Tecnologia, "aprovou" a primeira
liberação comercial de um produto
transgênico no Brasil, a soja resistente
ao herbicida Roundup (ambos, semente e herbicida, produzidos pela multinacional americana Monsanto).
Imediatamente, o Instituto Brasileiro
de Defesa do Consumidor (IDEC) e o
Greenpeace Brasil questionaram juridicamente a competência legal da
CTNBio. A Justiça deu ganho de causa
às ONGs, considerando que, pela Lei de
Biossegurança, essas liberações cabem
aos Ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e da Agricultura e que à CTNBio
apenas compete aconselhar o governo.
A Constituição exige a realização de estudos de impacto ambiental avaliados
pelo Ibama, anteriores à liberação de
transgênicos no meio ambiente.
Apesar de a Monsanto e os ministros
de FHC afirmarem que esses produtos
são inócuos e seguros, eles não responderam às exigências da Justiça, de realizar estudos de impacto, e apelaram ao
Tribunal Regional Federal, em Brasília.
O governo FHC pressionou juízes e
baixou medidas provisórias para fortalecer a CTNBio. Criminosamente, não
reprimiu o contrabando de sementes
transgênicas oriundas da Argentina para o Rio Grande do Sul nem os plantios
clandestinos e ostensivos naquele Estado. Fechou os olhos para os produtos
contaminados com transgênicos e vendidos livremente no país e pressionou o
Conselho Nacional do Meio Ambiente
para evitar rigor nos estudos de impacto
ambiental dos transgênicos.
Paralelamente, a Monsanto gastou
rios de dinheiro com propaganda na
mídia, seminários para potenciais "formadores de opinião" e lobby para parlamentares votarem um projeto de lei favorável à liberação facilitada dos transgênicos.
A imprensa em geral tratou as entidades e cientistas que pediam precaução
aos transgênicos como dinossauros, inimigos da ciência, ecoterroristas, vendidos às empresas de agrotóxicos e inimigos do progresso. O mesmo tratamento
que deram aos que se opuseram à ração
que deu origem à incontrolável doença
da vaca louca.
O tempo mostrou que a razão estava
entre os que pediam prudência. Inúmeros problemas têm surgido nos cultivos
transgênicos nos EUA -torna-se claro
que o Brasil deve rejeitar esses cultivos
até mesmo para aproveitar o mercado
cativo de produtos livres de transgênicos que a Europa e a Ásia nos abrem.
A insistência das empresas multinacionais em liberar as sementes transgênicas está ligada unicamente à sua necessidade de aumentar o lucro. Pois
apenas dez empresas controlam essas
sementes em todo o mundo. E as sementes transgênicas não estão ligadas
ao aumento da produtividade, mas,
sim, ao necessário uso de agrotóxicos
produzidos pelas mesmas empresas!
Por outro lado, como o mercado consumidor é cada vez mais cuidadoso com a
saúde, uma agricultura brasileira livre
de transgênicos tomaria o mercado das
multinacionais dos EUA.
O novo governo manteve uma posição ambígua em relação à liberação dos
transgênicos, política que tem de ser revisada
|
A vitória do povo brasileiro nas ultimas eleições, pedindo mudanças, deu
forças para que seja revisada também a
politica em relação aos transgênicos.
E representou um duro golpe aos interesses da Monsanto, que antes contava
com muitos aliados dentro do Palácio
do Planalto. Vale lembrar que a empresa conseguiu liberar junto à Sudene um
empréstimo, para construir uma fábrica de venenos em Camaçari (BA), de
aproximadamente US$ 250 milhões, dinheiro que seria destinado ao desenvolvimento do Nordeste. A Monsanto
acreditava que dobraria as resistências
da sociedade brasileira "cooptando" o
governo e outros Poderes. Felizmente,
foi derrotada. A luta da sociedade brasileira, por meio de suas entidades e movimentos sociais, barrou até agora os
transgênicos no Brasil, e as ações da
Monsanto caíram 60%.
Se as eleições representaram uma posição clara por mudanças, infelizmente
a composição do ministério do novo
governo manteve uma posição ambígua em relação à liberação dos transgênicos. E alguns ainda não entenderam o
resultado de outubro.
A União ainda é sócia (pasmem!) da
Monsanto no recurso que será julgado
no TRF. A safra gaúcha -contaminada
por transgênicos devido à omissão de
FHC- começa a ser colhida em março,
e não há definição de como tratar esse
descalabro, que custará (ao governo?
aos produtores? à sociedade?) mais de
US$ 1 bilhão e, talvez, o lugar privilegiado do Brasil no mercado internacional
de alimentos não-transgênicos.
Enfrentar essas e outras questões exigirá do governo esforço coordenado entre ministérios. Há medidas urgentes a
tomar, como orientar a Advocacia Geral
da União para retirar o governo do recurso solidário com a Monsanto no
TRF. As entidades dos pequenos agricultores, da sociedade civil, das igrejas e
de agricultura ecológica exigem uma
clara definição do novo governo.
João Pedro Stedile, 49, é coordenador do MST
e da Via Campesina Brasil. Jean Marc von der
Weid, 56, é coordenador da Articulação Nacional pela Agroecologia e da campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos.
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Isabel Canto: Uma agenda para parcerias na Amazônia
Índice
|