São Paulo, sexta-feira, 11 de março de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Novas teorias sobre poder mundial

CARLOS DE MEIRA MATTOS

Voltou à tona a tese do poder mundial. Segundo a interpretação de órgãos da imprensa européia, por ocasião da recente visita do presidente Bush a Bruxelas, os chefes de governo dos principais países europeus sugeriram a substituição da política hegemônica norte-americana por um poder mundial compartilhado.


A chamada hegemonia norte-americana tem se mostrado insuficiente no mister de preservar a ordem mundial


Durante os últimos cem anos, três teorias geopolíticas sobre poder mundial dominaram a mente dos estudiosos de política internacional das grandes potencias. A primeira é a teoria do "Heart Land" (1904), também chamada de teoria do Poder Terrestre, de autoria do geógrafo e diplomata inglês Halford Mackinder, segundo a qual a potência que dominar a área do centro da massa continental euro-asiática dominará a "ilha mundial", e quem dominar a "ilha mundial" dominará o mundo.
A segunda é a teoria do professor norte-americano Nicholas Spykman (1942), que prevê a conquista da "ilha mundial" pelas fímbrias, partindo da tomada das áreas costeiras (contrariando Mackinder, que antevia essa conquista partindo do interior do continente euro-asiático).
E a mais antiga, a teoria do Poder Marítimo (1890), do almirante Alfred T. Mahan, escritor e especialista em geopolítica norte-americano, prevendo a conquista do mundo pela potência que dominasse os mares, os estreitos e as passagens obrigatórias da navegação, assegurando-lhe a capacidade de navegar livre por todo o planeta.
Estas três teorias influíram na mente e nas decisões de importantes chefes de governo do passado, tais como Theodore Roosevelt, Guilherme 2º, Hitler, Mussolini, Churchill, Stálin, Franklin Roosevelt, De Gaulle e, por último, Reagan.
As estratégias da política de poder da Alemanha no tempo do Kaiser Guilherme 2º e de Hitler, assim como as da antiga União Soviética, refletiram as teorias de Mackinder, enquanto a estratégia de poder norte-americana tem sido inspirada pelas teorias do almirante Mahan e do professor Spykman.
Novas teorias do poder mundial vêm ocupando o cenário internacional após a desagregação da União Soviética, que causou o fim da bipolaridade do poder mundial, e em face das pressões de uma sociedade globalizada. Entre várias das novas teorias, destaco quatro que me pareceram mais interessantes: a dos "Blocos e Zonas Monetárias", do professor francês Jacques Brochard, contida no seu livro "Le Mirage du Futur - La Nouvelle Ordre Internationel" (1990); a do "Lime", ou da fronteira viva móvel, do internacionalista francês Jean Christophe Rufin, autor da obra "Armadilha Humanitária" (1991); a "Tríade", do Clube de Roma, uma visão do mundo como uma sociedade organizada nos moldes de uma empresa multinacional; e a da Incerteza (ou da Turbulência), do estrategista francês Pierre Lellouche, exposta principalmente no seu livro "Le Nouveau Monde de l'Ordre de Yalta au Desordre des Nations".
Numa síntese comparativa, pode-se concluir que os autores Brochard e Rufin, nas suas prospectivas, não acreditam na duração do poder hegemônico dos Estados Unidos. Vêm o domínio do planeta exercido por grupos dos mais poderosos -EUA, Europa Ocidental, Rússia e Japão (quando escreveram, a China ainda era considerada potência secundária).
Rufin vê a necessidade, para a preservação do poder do Ocidente, de uma fronteira viva móvel, no sentido Leste-Oeste, contendo o enorme perigo da invasão da Europa pelos "novos bárbaros", povos africanos e asiáticos, de conseqüências imprevisíveis para a civilização e cultura ocidentais cristãs. Teme o que chama de invasão da fome e do fanatismo religioso.
A Tríade, do Clube de Roma (três blocos de nações, liderados por EUA, Europa e Japão), prospecta a organização de uma sociedade mundial planejada, visando evitar as anunciadas calamidades de nível planetário: descontrole ambiental, explosão populacional, crise energética, carência de água e perigo nuclear. Prevê um mundo organizado segundo o modelo das grandes empresas multinacionais, dirigida pelos três grupos de nações, sob a supervisão dos Estados Unidos.
Por último, a teoria das Incertezas, do professor Lellouche, prevê que nos próximos 30 anos (escreveu-a em 1992) não haverá um poder capaz de dominar a turbulência provocada por inúmeros conflitos de índole social, étnica, racial, religiosa, famélica ou por ameaças de uso de armas de destruição em massa. Anteviu três décadas de desordem e ondas de violência, fora do controle de qualquer poder ordenador.
Praticamente, no presente, estamos vivendo as previsões de Lellouche sobre a ausência temporária de um poder ordenador capaz de restabelecer a paz e a segurança, sufocando os vários pólos de conflitos graves, sangrentos, transnacionais que se espalham pela Europa, Ásia e África. A chamada hegemonia norte-americana tem se mostrado insuficiente nesse mister de preservar a ordem mundial. A ONU, outros organismos internacionais ou Estados nacionais igualmente têm fracassado nesse desiderato.
Todos os autores citados, em suas teorias, consideraram a América Latina uma zona de relativa estabilidade e descartável em termos de influência na composição do poder mundial. Em se tratando do Brasil, não é isso que pensam outros pesquisadores estrangeiros, que nos colocam na perspectiva de nos transformarmos numa grande potência dentro de 30 ou 50 anos.

Carlos de Meira Mattos, 91, doutor em ciência política e general reformado do Exército, é veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra.


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