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Passou do limite
Ao defender mais uma vez a ditadura cubana, e equiparar presos políticos a comuns, Lula escarnece dos valores democráticos
NÃO PARECE demais, em
nome do registro histórico, reproduzir
mais uma vez as palavras do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva em entrevista à Associated Press: "Temos de respeitar a determinação da Justiça
e do governo cubanos de deter as
pessoas em função da legislação
de Cuba. A greve de fome não pode ser utilizada como pretexto de
direitos humanos para liberar as
pessoas. Imagine se todos os
bandidos presos em São Paulo
entrarem em greve de fome e pedirem liberdade".
A declaração é escandalosa
-mesmo para os padrões de Lula, que habituou os brasileiros a
seus disparates. Lembre-se, por
exemplo, quando disse, ainda em
2003: "Quem chega a Windhoek
[capital da Namíbia], não parece
que está num país africano. Poucas cidades do mundo são tão
limpas e bonitas arquitetonicamente quanto esta".
Desta vez, porém, a manifestação não se reveste de nenhuma
graça, tosca que seja. E não pode
ser atribuída a mais um entre
tantos deslizes de quem abusa
dos improvisos, não esconde o
orgulho por falar errado e se diverte com as gafes que comete.
Não. Lula, este personagem satisfeito com as suas próprias precariedades, desta vez passou dos
limites na agressão aos valores
democráticos.
Vejamos mais de perto a escalada de impropriedades: Lula endossa uma ditadura que reprime
a divergência de opinião. Prega
"respeito" pela legislação cubana, que autoriza a prisão de pessoas cujo crime é dar sinais de
"conduta manifestamente em
contradição com as normas da
moralidade socialista".
A seguir, avança outra casa ao
qualificar os direitos humanos
de "pretexto" dos presos políticos que fazem greve de fome.
Pretexto? Em 2003, o governo
cubano fuzilou três dissidentes
que tentaram fugir do país. Outros 75 opositores foram presos,
entre os quais Orlando Zapata.
Condenado inicialmente a três,
ele teve sua pena ampliada para
mais de 25 anos de prisão. Morreu após uma greve de fome, no
dia em que Lula chegou à ilha, semanas atrás, para visitar Fidel
Castro pela quarta vez.
Surpreendido por jornalistas,
primeiro alegou desconhecer o
apelo que entidades defensoras
dos direitos humanos haviam
feito para que intercedesse por
Zapata. Limitou-se, a seguir, a lamentar que "um preso se deixe
morrer por greve de fome".
Como disse ontem à Folha o
jornalista e dissidente cubano
Guillermo Fariñas, também em
greve de fome: "Lula demonstra
seu comprometimento com a ditadura dos Castro e seu desprezo
com os presos políticos".
Nada supera, porém, o escárnio da conclusão presidencial: os
presos políticos da ditadura cubana são equiparáveis aos presos
comuns de um país democrático,
no caso o Brasil. "Imagine se todos os bandidos presos em São
Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade."
Imaginemos, nós, com mais
razão, que tal aberração a serviço
da defesa de um regime homicida não seja apenas um tropeço,
mas, antes, a revelação do real
apreço de Lula pela democracia.
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