São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 2003 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES Oito mitos da política macroeconômica
FERNANDO CARDIM DE CARVALHO
O mito não é a afirmação, mas a assertiva que ela deixa implícita -a de que a política presente não envolve custos (ou a suposição, sem provas, de que qualquer outra envolveria custos maiores, o que é, naturalmente, uma questão a ser decidida pelo exame empírico de custos e benefícios). Toda estratégia tem custos. A adotada no presente, por exemplo, tem custado estagnação, desemprego e vulnerabilidade a quaisquer choques provindos do exterior; 6. O jogo está sendo virado. Neste início de ano, capitais externos estão fluindo para o país, o real se valoriza, o risco Brasil sai das alturas a que chegou em 2002. O governo chama a atenção para o aumento da "qualidade" do ajuste fiscal, com o superávit primário resultando do corte de gastos em vez de aumento de receitas. Contudo o custo desse "ajuste" é o sacrifício de despesas de investimento público e de gastos sociais. Mesmo o ganho mais significativo, obtido ainda no governo anterior -a recuperação dos saldos comerciais-, tem muito a ver com a contração de importações causada pela estagnação da economia. Além disso, a entrada de capitais se resume largamente aos capitais de curto prazo, que abandonarão a economia ao primeiro sinal de problemas, como noticia a imprensa. Desde 1994 houve inúmeros episódios de "falso renascimento", sempre abortados pela crise externa seguinte, que invariavelmente nos atingia em cheio, dada nossa vulnerabilidade externa (ainda intacta). Como muitas vezes no passado recente, a retomada do crescimento está "logo ali", na eternidade; 7. O que importa são as políticas de desenvolvimento e sociais. Este é o mito de que, embora a política macroeconômica gere desemprego e estagnação, as políticas de desenvolvimento serão suficientes para compensar a influência negativa. Como isso poderá ser alcançado em uma economia de demandas pública e privada contraídas pela política econômica, em que a vulnerabilidade a movimentos adversos de capitais manterá sempre uma taxa de juros em patamares elevados, em que a modernização dos mercados de capitais será, pela mesmo razão, fatalmente impedida, permanece um mistério; 8. Quando a economia voltar ao normal, muda-se. Este é o mito final, alimentado, ao que parece, pelas lideranças políticas do governo e as que lhe são próximas. Para estes, a ortodoxia é provisória, para ganhar a confiança dos mercados, acalmar a situação e, finalmente, no futuro, mostrar o "estilo PT" de governar. Esta visão supõe que os "mercados" são tolos e se satisfazem com medidas a seu favor no curto prazo. Credibilidade não se ganha com retórica, nem mesmo com medidas concretas que possam, contudo, ser revertidas adiante. Credibilidade ganha-se quando "as mãos são atadas" e o governo perde a capacidade de promover, no futuro, mudanças de rotas. Não basta ser "market-friendly", é preciso que isso se cristalize em regras que garantam que esse comportamento não será revertido. Assim, os que acham que o problema é emergencial, causado pela "herança maldita" que alegam ter recebido do governo anterior, que o governo mostrará sua verdadeira face mais tarde exibem um desconhecimento agudo do modo pelo qual governos e mercados interagem na atualidade. Fernando J. Cardim de Carvalho é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Jorge Bornhausen: Cem dias de neoconservadorismo Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
|