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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Renasce o confronto ideológico
Vivemos os momentos iniciais
de uma virada no eixo do conflito
ideológico na humanidade. Pouco entendida em qualquer lugar, essa virada é distante dos termos em que ainda
se trava o debate brasileiro. Compreendê-la, porém, é apossar-se de
instrumento indispensável para a definição de nosso futuro nacional.
Cito as três ideologias que dominaram os debates políticos dos últimos
dois séculos. Todas as três encontram-se em apuros, desorientadas na identificação de seu norte.
O liberalismo se destinaria a engrandecer o indivíduo, capacitando-o para
resistir às opressões. Em todos os países contemporâneos, entretanto, mesmo naqueles que são muito mais ricos
e igualitários do que o nosso, a sociedade continua divida em classes. E a
maioria, mesmo quando salva da pobreza, não tem como viver vida ambiciosa e realizadora -vida que se torne
maior, não menor, com a passagem
dos anos. É assim mesmo, pela própria natureza das coisas, ou devem os
liberais reconstruir as instituições e
transformar a cultura para serem fiéis
a seu ideal libertador?
O socialismo teria por objetivo
emancipar o potencial da cooperação
entre as pessoas dos constrangimentos que lhe são impostos pelas desigualdades e valorizar o encaminhamento de soluções coletivas para os
problemas coletivos. Mas qual o instrumento? O manejo estatal dos meios
de produção mostrou-se inconfiável.
E a suavização das desigualdades graças a políticas sociais compensatórias
revelou-se insuficiente.
O nacionalismo abriria caminho para a invenção de expressões coletivas
novas de vida e de consciência. Mas
cadê as formas de organização política
e social que dariam realidade a esse
sonho, dotando os povos de meios para desbravar rumos antes desconhecidos, mesmo sem contarem com a provocação de guerras e colapsos econômicos? Sem tais meios, o nacionalismo ameaça virar engodo, facilitando a
mobilização das frustrações para cruzadas opressoras.
A trajetória de cada um desses ideários revela o ponto secreto da divisão
ideológica que surge. De um lado, estão aqueles -liberais, socialistas ou
nacionalistas- que dão de barato que
a vida é assim mesmo, que a grandeza
será sempre bem reservado a elite de
talentosos e de sortudos e que o horizonte da reconstrução institucional se
fechou. De outro lado, colocam-se
aqueles -liberais, socialistas ou nacionalistas- que insistem em querer
engrandecimento para porção mais
ampla da humanidade, por meio de
transformação das instituições e das
consciências, sem ter guerra ou ruína
como pré-condição da mudança.
Tudo isso pode parecer irrelevante
para uma nação em que a imensa
maioria se esforça para conseguir o essencial, a média de escolaridade pouco passa de cinco anos e os decentes
sentem nojo da política. Engano. Se há
país que não deva deixar de enfrentar
e de superar a exaustão das ideologias
é o Brasil. Participar da vanguarda
dessa renovação ideológica no mundo
é, para nós, imperativo de salvamento
nacional; a forma herdada do debate
ideológico deu-nos algo pior do que a
estagnação econômica: o sentimento
de que não há o que fazer.
Lutemos para traduzir a imaginação
das alternativas em palavras e em iniciativas capazes de esclarecer e de inspirar cada brasileiro.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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