São Paulo, terça-feira, 11 de abril de 2006

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Renasce o confronto ideológico

Vivemos os momentos iniciais de uma virada no eixo do conflito ideológico na humanidade. Pouco entendida em qualquer lugar, essa virada é distante dos termos em que ainda se trava o debate brasileiro. Compreendê-la, porém, é apossar-se de instrumento indispensável para a definição de nosso futuro nacional.
Cito as três ideologias que dominaram os debates políticos dos últimos dois séculos. Todas as três encontram-se em apuros, desorientadas na identificação de seu norte.
O liberalismo se destinaria a engrandecer o indivíduo, capacitando-o para resistir às opressões. Em todos os países contemporâneos, entretanto, mesmo naqueles que são muito mais ricos e igualitários do que o nosso, a sociedade continua divida em classes. E a maioria, mesmo quando salva da pobreza, não tem como viver vida ambiciosa e realizadora -vida que se torne maior, não menor, com a passagem dos anos. É assim mesmo, pela própria natureza das coisas, ou devem os liberais reconstruir as instituições e transformar a cultura para serem fiéis a seu ideal libertador?
O socialismo teria por objetivo emancipar o potencial da cooperação entre as pessoas dos constrangimentos que lhe são impostos pelas desigualdades e valorizar o encaminhamento de soluções coletivas para os problemas coletivos. Mas qual o instrumento? O manejo estatal dos meios de produção mostrou-se inconfiável. E a suavização das desigualdades graças a políticas sociais compensatórias revelou-se insuficiente.
O nacionalismo abriria caminho para a invenção de expressões coletivas novas de vida e de consciência. Mas cadê as formas de organização política e social que dariam realidade a esse sonho, dotando os povos de meios para desbravar rumos antes desconhecidos, mesmo sem contarem com a provocação de guerras e colapsos econômicos? Sem tais meios, o nacionalismo ameaça virar engodo, facilitando a mobilização das frustrações para cruzadas opressoras.
A trajetória de cada um desses ideários revela o ponto secreto da divisão ideológica que surge. De um lado, estão aqueles -liberais, socialistas ou nacionalistas- que dão de barato que a vida é assim mesmo, que a grandeza será sempre bem reservado a elite de talentosos e de sortudos e que o horizonte da reconstrução institucional se fechou. De outro lado, colocam-se aqueles -liberais, socialistas ou nacionalistas- que insistem em querer engrandecimento para porção mais ampla da humanidade, por meio de transformação das instituições e das consciências, sem ter guerra ou ruína como pré-condição da mudança.
Tudo isso pode parecer irrelevante para uma nação em que a imensa maioria se esforça para conseguir o essencial, a média de escolaridade pouco passa de cinco anos e os decentes sentem nojo da política. Engano. Se há país que não deva deixar de enfrentar e de superar a exaustão das ideologias é o Brasil. Participar da vanguarda dessa renovação ideológica no mundo é, para nós, imperativo de salvamento nacional; a forma herdada do debate ideológico deu-nos algo pior do que a estagnação econômica: o sentimento de que não há o que fazer.
Lutemos para traduzir a imaginação das alternativas em palavras e em iniciativas capazes de esclarecer e de inspirar cada brasileiro.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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