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TENDÊNCIAS/DEBATES
A lei antifumo aprovada em SP é constitucional?
NÃO
Ainda temos Constituição
LUIZ TARCÍSIO TEIXEIRA FERREIRA
DEIXEMOS DE lado as obviedades dos maços de cigarro: 1) o
fumo é droga e causa dependência física e psíquica; 2) o uso prolongado do cigarro pode acarretar
uma série de doenças, entre as quais
câncer e impotência sexual; 3) o tabagismo tem alto custo social; 4) combater o cigarro é questão de saúde pública e deve ser feito a todo custo.
Alto lá! A todo custo? Não, a todo
custo não dá, não! E não dá mesmo
porque em direito os fins não justificam os meios: eis aqui uma outra obviedade -dessa vez, jurídica.
Temos desde 1988 uma Constituição democrática que retornou o país
ao Estado de Direito e que constitui
patrimônio de todos os brasileiros;
defendê-la, sim, é algo que deve ser
feito a qualquer custo. E a Constituição, recordemos, é o fundamento de
validade de toda e qualquer legislação: federal, estadual ou municipal.
A lei aprovada pela Assembleia
paulista contém uma agressão aberta
ao direito de liberdade consagrado
constitucionalmente e invade esfera
de competência privativa da União.
Pelo projeto a ser sancionado pelo
sr. governador, bares, restaurantes e
estabelecimentos congêneres não poderão dispor de locais próprios voltados para atender os fumantes, os assim chamados "fumódromos".
Pela Constituição e pelas leis federais, fumar cigarro é atividade lícita
-tanto que o cigarro é vendido livremente e consumido pelos poucos fumantes que restam.
No sistema constitucional, só a lei
federal, de competência exclusiva da
União, poderia proibir o fumo, criminalizando sua venda e seu consumo.
E todas as leis federais tratam a questão do cigarro como atividade lícita,
com as restrições relativas à propaganda e à comercialização.
Ao contrário do projeto de lei estadual, que proíbe a existência de fumódromos, a lei federal em vigor obriga
bares, restaurantes e estabelecimentos congêneres a dispor de fumódromos para atender aos fumantes.
É o
que faz a lei municipal de São Paulo
14.805/08. Assim, as legislações federal e municipal protegem tanto o direito à saúde dos não fumantes quanto o direito de liberdade dos fumantes, ambos de igual valor e merecedores de igual proteção constitucional.
E os proprietários desses estabelecimentos se perguntarão: devo obedecer à legislação federal e municipal
sobre o assunto? E se for apanhado
pela fiscalização estadual?
O conflito de competência, portanto, é inevitável e, sem dúvida, deve ser
resolvido em prol das legislações federal e municipal. Não é dado ao legislador ordinário preferir um desses
dois direitos em conflito. Ao Estado
incumbe conciliá-los, e não tratá-los
de forma excludente.
Sob a alegada intenção de proteção
à saúde do não fumante, ao proibir os
fumódromos, o projeto de lei paulista
pretende, rigorosa e escancaradamente, vedar que se fume em qualquer lugar, o que significa adotar
proibição geral de fumar. Ora, isso foge, em absoluto, da competência da
legislação estadual: eis um terceiro vício de constitucionalidade insanável,
que, em direito, se designa por "desvio de poder legislativo".
Não menos importante, existe um
supraprincípio constitucional de "razoabilidade das leis", e será inconstitucional tudo aquilo que o agrida.
Soa absurdo ao senso comum que o
consumo do cigarro, livremente comercializado, seja agora indiretamente proibido por lei estadual.
Comprar livremente cigarros e não
poder consumi-los prestigia apenas
quem arrecada com a sua venda e lesa
ainda mais quem já é vítima do vício.
Tampouco tem guarida na Constituição a odiosa discriminação perpetrada contra uma minoria -os fumantes-, que não pode ser massacrada pela maioria saudável, como não
podem ser discriminados os alcoólicos e quaisquer outras minorias.
Se o tabagismo é uma importante
questão de saúde pública, então deve
ser merecedor das melhores atenções
do Estado, e não objeto de uma discriminação nitidamente negativa e inconstitucional.
Resta falar da questão da fiscalização. Será que a eficiência do poder público estadual terá condição de fiscalizar os milhares de estabelecimentos
aos quais a legislação se destina ou sucederá com a "lei antifumo" o que se
deu com a chamada "lei seca", que de
tão draconiana acabou esquecida?
Entre a lei propaganda aprovada e o
direito ao cigarrinho, fico com a
Constituição da República.
LUIZ TARCÍSIO TEIXEIRA FERREIRA, 50, é advogado,
mestre em direito constitucional pela PUC-SP. Foi secretário dos Negócios Jurídicos do município de São Paulo
(gestão Marta Suplicy).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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