São Paulo, segunda-feira, 11 de junho de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Universidade, lugar da razão

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ e CARLOS VOGT


Imprescindível como a autonomia é a liberdade acadêmica, que exige um convívio respeitoso. Não se justifica o uso da violência


PÚBLICAS E gratuitas, as três universidades estaduais paulistas -USP, Unicamp e Unesp- apresentam indicadores comparáveis com os de boas instituições internacionais. Juntas respondem por 50% da ciência feita no Brasil. De 1989 a 2005, o número de alunos nas três universidades cresceu 72%, e a produção de artigos científicos mais do que quintuplicou.
A qualidade dessas instituições é conquista de seus professores, funcionários e alunos. E também do contribuinte paulista, que a elas destina 9,57% do ICMS. São Paulo apóia intensamente o ensino superior e a pesquisa. Na média brasileira, 35% do financiamento público à pesquisa vêm de fontes estaduais e 65% das fontes federais. Em São Paulo, 60% do apoio à pesquisa vêm dos cofres estaduais.
Esse esforço visa assegurar a transmissão e o avanço do conhecimento -base do progresso humano. Para isso, as universidades precisam de um ambiente propício ao desenvolvimento das idéias, sentido maior da autonomia universitária, consagrada na Constituição Federal.
Imprescindível como a autonomia é a liberdade acadêmica, que exige um convívio respeitoso, tolerante com idéias divergentes e a confiança no poder do argumento. Na universidade, a disposição é nunca recorrer à violência para ganhar um debate, mas sim melhorar os argumentos, aprendendo cada vez mais. A universidade deve ser o lugar da razão. O clima instalado nas últimas semanas desafia essa racionalidade.
Professores têm sido coagidos por piquetes e ameaçados, dirigentes não podem exercer suas funções porque prédios são invadidos. Há quem afirme que o recurso à violência se justifica porque o governo estadual teria ameaçado a autonomia. Tal não parece ser o caso. Em 14 de maio, os reitores das três universidades afirmaram em nota não verem nos decretos ameaça à autonomia.
Por exemplo, o decreto que criou a Secretaria de Ensino Superior, de 1º de janeiro, diz explicitamente em seu artigo 2º: "As funções voltadas ao ensino superior serão exercidas em articulação e conjugação de esforços com as instituições envolvidas, observando-se sempre o respeito à autonomia universitária e às características de cada universidade" (grifo nosso).
Sobre isso nada foi declarado no debate por aqueles que insistiram em encontrar nos decretos um ataque à autonomia. Mesmo assim, o governo estadual publicou um decreto declaratório elucidando as dúvidas a respeito da autonomia, atendendo a solicitação dos reitores e da Fapesp, para tornar patente o que já havia sido concluído antes.
Não resta incerteza quanto a esse assunto. Mesmo que houvesse ou que tenha havido em decorrência de eventuais equívocos, isso justificaria o recurso à violência na universidade? Não.
A universidade pública e gratuita é essencial para a sociedade. Merece o respeito daqueles de fora e, mais ainda, daqueles de dentro. Garantir esse respeito implica reverter a trajetória de degradação das relações pessoais e institucionais que vem sendo instalada, na qual o recurso à força se banaliza com piquetes, carros de som, invasão de prédios, ameaças a dirigentes, professores, alunos e funcionários que não apóiam as decisões de minorias. Nesse ambiente, a inteligência, o pensamento livre e o debate respeitoso são as primeiras vítimas.
Piquetes, bloqueios e invasões não são ações pacíficas. Ao impedir um professor de dar sua aula ou um aluno de assisti-la, ainda que não haja sangue ou socos, há violência de uma espécie terrível: a violência surda e totalitária contra o livre pensar e contra o livre-arbítrio.
Na universidade, instituição que a humanidade preservou como o lugar do debate livre de idéias, a coação e a violência corroem de forma irreversível os valores acadêmicos e a convivência cordial imprescindíveis à realização desse mandato que as sociedades, há quase dez séculos, nos vêm delegando.
Cabe repetir: é para assegurar a transmissão das idéias e seu avanço -base do progresso humano- que o contribuinte paulista investe nas nossas boas universidades públicas e gratuitas. O recurso à violência por alguns poucos membros da comunidade acadêmica, em vez de defender a universidade, a afasta cada vez mais da sociedade.

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ , 50, membro da Academia Brasileira de Ciências, é professor do Instituto de Física da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e diretor-científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Foi reitor da Unicamp e presidente da Fapesp.

CARLOS VOGT , 64, lingüista e poeta, é coordenador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp e presidente da Fapesp. Foi reitor da Unicamp.

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