São Paulo, segunda-feira, 11 de julho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SÉRGIO DÁVILA

Bush é o Lula da direita

O que mais impressiona quem volta ao Mensalão depois de uma temporada no Império é quanto os líderes dos dois países se parecem. George Bush 2º é o Lula da direita, Luiz Inácio Lula da Silva é o Bush da esquerda. Ambos foram eleitos não por suas qualidades, mas por seus defeitos, e agora sofrem por eles.
Muita gente boa explicou a reeleição de Bush citando "valores morais". Não foi bem assim. Realmente, a direita religiosa lidera a guinada conservadora e ajudou o norte-americano a ficar mais quatro anos na Casa Branca, mas foi fazendo trabalho de boca-de-urna e levando um contingente maior do que o habitual de eleitores cristãos em geral a sair de casa e votar. Os tais "valores" foram citados por menos de 15%; a maioria apontou o fator "cara com quem eu tomaria uma cerveja" como critério decisivo na escolha.
No Brasil, pesquisa divulgada no sábado ressalta o mesmo "fator cerveja" de Lula: em meio ao lamaçal, 55% dos ouvidos pela Ipsos-Opinion acham que o presidente é honesto -percentual idêntico ao dos que acreditam que ele "sabia da corrupção". Bush e Lula são espelho de grande parcela da população ao mesmo tempo que alienam outra parte importante -nos EUA, o neoevangélico cala fundo nos puritanos, mas assusta os liberais; no Brasil, o pai dos pobres fala ao povão, mas eriça os pêlos da nuca da classe média.
As semelhanças não se esgotam aí. Bush e Lula ainda discursam como se estivessem em campanha. Cercaram-se ou se deixaram cercar por uma redoma que os deixa cegos à crise. Em 4 de julho, feriado nacional, o americano fez um improvável novo "discurso de vitória", enquanto soldados no Iraque reclamam da falta de coletes e veículos blindados e o secretário de Defesa dialoga com os insurgentes para tentar parar a carnificina. Na sexta, na UTI que foi a posse dos novos ministros, o brasileiro disse que a dança das cadeiras que faz para se livrar de indesejáveis e aumentar o quinhão do PMDB visa "as eleições", não as acusações.
Bush troca as letras, Lula fala errado. Lula não cumpriu nem uma de suas promessas na área social, Bush fez duas guerras para capturar Osama (que continua solto), criando milhares de novos extremistas islâmicos e gastando US$ 200 bilhões no caminho. Bush é refém do câmbio chinês, Lula é refém de sua política econômica. Lula aparelhou ou deixou que aparelhassem a máquina em níveis soviéticos, Bush baixou o imposto dos riquíssimos e leva o país ao maior déficit da história.
Até mesmo amizades comprometedoras os unem. O brasileiro teve de afastar seu "primeiro-ministro", o ministro-chefe da Casa Civil, para que este se defendesse de acusações pesadas. Bush foi a público tentar livrar a cara de seu líder na Câmara, acusado de aceitar presentes de lobistas de cassinos e manusear "agressivamente" arrecadações de campanhas passadas.
E por que ambos estão onde estão? Um só foi levado ao segundo mandato porque historicamente os EUA não trocam o comando do país durante uma guerra -e seu oponente era um banana. Outro (ainda?) está aí porque historicamente o Brasil não derruba presidentes quando a inflação está domada, o dólar está em baixa e a elite econômico-financeira está feliz.
O presidente americano sai da Casa Branca em 2009 para entrar na mediocridade. O presidente brasileiro sai do Palácio do Planalto em 2007, 2011 ou antes para entrar na enorme lista das promessas brasileiras que não foram.


Sérgio Dávila é repórter especial da Folha. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de João Sayad, que escreve às segundas-feiras nesta coluna.

sdavila@folhasp.com.br


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: A grande mosca
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.