|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SÉRGIO DÁVILA
Bush é o Lula da direita
O que mais impressiona quem
volta ao Mensalão depois de
uma temporada no Império é quanto
os líderes dos dois países se parecem.
George Bush 2º é o Lula da direita,
Luiz Inácio Lula da Silva é o Bush da
esquerda. Ambos foram eleitos não
por suas qualidades, mas por seus defeitos, e agora sofrem por eles.
Muita gente boa explicou a reeleição
de Bush citando "valores morais".
Não foi bem assim. Realmente, a direita religiosa lidera a guinada conservadora e ajudou o norte-americano a ficar mais quatro anos na Casa Branca,
mas foi fazendo trabalho de boca-de-urna e levando um contingente maior
do que o habitual de eleitores cristãos
em geral a sair de casa e votar. Os tais
"valores" foram citados por menos de
15%; a maioria apontou o fator "cara
com quem eu tomaria uma cerveja"
como critério decisivo na escolha.
No Brasil, pesquisa divulgada no sábado ressalta o mesmo "fator cerveja"
de Lula: em meio ao lamaçal, 55% dos
ouvidos pela Ipsos-Opinion acham
que o presidente é honesto -percentual idêntico ao dos que acreditam
que ele "sabia da corrupção". Bush e
Lula são espelho de grande parcela da
população ao mesmo tempo que alienam outra parte importante -nos
EUA, o neoevangélico cala fundo nos
puritanos, mas assusta os liberais; no
Brasil, o pai dos pobres fala ao povão,
mas eriça os pêlos da nuca da classe
média.
As semelhanças não se esgotam aí.
Bush e Lula ainda discursam como se
estivessem em campanha. Cercaram-se ou se deixaram cercar por uma redoma que os deixa cegos à crise. Em 4
de julho, feriado nacional, o americano fez um improvável novo "discurso
de vitória", enquanto soldados no Iraque reclamam da falta de coletes e veículos blindados e o secretário de Defesa dialoga com os insurgentes para
tentar parar a carnificina. Na sexta, na
UTI que foi a posse dos novos ministros, o brasileiro disse que a dança das
cadeiras que faz para se livrar de indesejáveis e aumentar o quinhão do
PMDB visa "as eleições", não as acusações.
Bush troca as letras, Lula fala errado.
Lula não cumpriu nem uma de suas
promessas na área social, Bush fez
duas guerras para capturar Osama
(que continua solto), criando milhares de novos extremistas islâmicos e
gastando US$ 200 bilhões no caminho. Bush é refém do câmbio chinês,
Lula é refém de sua política econômica. Lula aparelhou ou deixou que aparelhassem a máquina em níveis soviéticos, Bush baixou o imposto dos riquíssimos e leva o país ao maior déficit da história.
Até mesmo amizades comprometedoras os unem. O brasileiro teve de
afastar seu "primeiro-ministro", o ministro-chefe da Casa Civil, para que este se defendesse de acusações pesadas.
Bush foi a público tentar livrar a cara
de seu líder na Câmara, acusado de
aceitar presentes de lobistas de cassinos e manusear "agressivamente" arrecadações de campanhas passadas.
E por que ambos estão onde estão?
Um só foi levado ao segundo mandato
porque historicamente os EUA não
trocam o comando do país durante
uma guerra -e seu oponente era um
banana. Outro (ainda?) está aí porque
historicamente o Brasil não derruba
presidentes quando a inflação está domada, o dólar está em baixa e a elite
econômico-financeira está feliz.
O presidente americano sai da Casa
Branca em 2009 para entrar na mediocridade. O presidente brasileiro sai do
Palácio do Planalto em 2007, 2011 ou
antes para entrar na enorme lista das
promessas brasileiras que não foram.
Sérgio Dávila é repórter especial da Folha. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de João Sayad, que escreve às segundas-feiras nesta coluna.
sdavila@folhasp.com.br
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: A grande mosca Próximo Texto: Frases
Índice
|