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CLÓVIS ROSSI
Erro e obscenidade
PARIS - Uma última palavra sobre
o equívoco a respeito da redução da
desigualdade no Brasil a partir de
1995, quando começam, no governo
FHC, as bolsas-esmola, que Lula
ampliou.
Ajuda-memória: a única fonte para medir a redução da desigualdade
é a Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios, que tem um grave
problema: quem vive só de salário
(ou de doações do governo) tende a
declarar tudo o que ganha.
Quem, além da renda de sua atividade, recebe também juros de aplicações financeiras, tende a não declarar pelo menos parte do ganho.
Estudo de economistas do Ipea demonstrou que 90% desses rendimentos não são declarados.
Conseqüência: aumenta a renda
dos mais pobres (por causa das bolsas), que é totalmente declarada,
mas aumenta igualmente a renda
dos sem-bolsa mas com-juros, que
é subdeclarada.
Cai a desigualdade na pesquisa,
mas não na vida real.
Agora, um estudo do economista
Marcio Pochmann, que é petista e,
portanto, insuspeito de participar
da suposta conspiração contra o governo Lula, prova que os 10% mais
ricos do país e que têm dinheiro
aplicado a juros obtiveram um rendimento médio financeiro real (acima da inflação) de 65,8% entre
2001 e 2004, ao passo que os 20%
mais pobres (que vivem da renda do
trabalho) tiveram um aumento nos
ganhos de 19,2%.
Ou, posto de outra forma: a renda
dos ricos cresceu três vezes mais
que a renda dos pobres.
Não há hipótese, nas circunstâncias apontadas, de que se reduza de
fato a desigualdade.
Não se trata de interesse meramente acadêmico. O brasileiro tolerou tempo demais uma desigualdade obscena. Supor, equivocadamente, que ela está caindo, mesmo
microscopicamente, só reforçaria a
tolerância. E a obscenidade.
crossi@uol.com.br
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