São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

A dívida e os índios

RIO DE JANEIRO - Uma parte da esquerda nacional acredita que a solução para o Brasil é não pagar a dívida externa. Lembro um episódio antigo, nos primórdios da Revolução de 30. O movimento estava em marcha, e a Aliança Liberal, que se estruturava para derrubar a velha República, precisava de um chefe militar de reconhecida competência técnica e trânsito popular.
Oswaldo Aranha despachou para Buenos Aires dois revoltosos, Siqueira Campos e João Alberto, que deveriam convencer Luís Carlos Prestes, ali exilado, a assumir o comando da Revolução.
Prestes sacudira os alicerces do regime com a sua coluna e estava em processo de revisão -deixava de ser o cavaleiro romântico da esperança para se tornar militante comunista. Respondeu aos emissários que o problema do Brasil não era destituir um presidente e colocar outro no poder. Eram necessárias reformas radicais, mudanças de mentalidade.
Siqueira Campos quis saber o que deveria mudar, e Prestes citou o não-pagamento da dívida externa, que, naquele tempo, já era impagável. Siqueira Campos, um dos 18 do Forte de Copacabana, argumentou que a esquadra inglesa fundearia na baía de Guanabara e faria o governo prisioneiro, bem como toda a população do Brasil.
Prestes não se deu por achado. Mobilizaria todo o povo e todos iriam para o interior mais profundo do país, imunes aos canhões da esquadra imperialista.
Foi então que João Alberto, amigo pessoal de Prestes, encerrou a discussão: "Seu Prestes, os índios fizeram isso na chegada de Cabral e estão até hoje no mato".
Lembro este episódio nem sei a propósito de quê. Pagar a dívida nos endivida cada vez mais. Não pagar pode ser pior. Felizmente, não depende de mim resolver esse problema. Tenho outros para me distrair e bastantes para me preocupar.



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