São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Megaplataformas emblemáticas

HORACIO LAFER PIVA


O Brasil precisa imaginar e executar uma política industrial, para colocar o pé num novo patamar tecnológico


Para quem observa, fascinado, este momento de transição ideológica, que se registra em escala global, entre a mitologia do "consenso de Washington", já largamente abandonada, e uma nova doutrina econômica internacional que está por se formar -nos Estados Unidos, é claro-, não é difícil identificar esse mesmo movimento de idéias aqui mesmo, no Brasil.
Basta acompanhar as declarações programáticas dos quatro candidatos à Presidência da República. Diferentemente do que pareceu à mídia internacional, eles não são todos de esquerda.
O que os quatro candidatos têm em comum é que se opõem todos a uma certa ultra-ortodoxia financeira, sob o guarda-chuva protetor de um liberalismo torto que evoluiu de forma maligna na América Latina (e também no Leste da Ásia, em 1997, e na Rússia, em 1998, segundo nos relata, em seu impressionante livro "A Globalização e os seus Descontentes", o ex-economista-chefe do Banco Mundial, Joseph Stiglitz).
Para a indústria paulista, que nos últimos anos travou batalha nesse campo, sendo coberta de epítetos, mesmo em questões em que estava correta -como quando pedia o fim da sobrevalorização do real, em 1998, ou advertia para a falta de investimentos no setor de energia, em 2000-, o novo panorama parece agora muito mais favorável.
Para colocar esse potencial de transformação mais em foco, temos a oportunidade hoje de acompanhar atentamente um caso emblemático, em que se misturam as possibilidades de uma nova teoria econômica com as duras realidades da ação prática. Nesse exemplo concreto, as indagações econômicas originam-se literalmente das profundidades abissais, para, ao emergirem à superfície das águas do Atlântico Sul, transformarem-se talvez em mais riqueza e novos empregos para o país.
Falo da anunciada encomenda, pela Petrobras, de três novas gigantescas plataformas para exploração em águas profundas, no valor total estimado de quase US$ 2 bilhões. As três megaplataformas respondem pelas denominações singelas de P-50, P-51 e P-52. Mas elas poderão assumir um significado especial para a nossa indústria, simbolizando talvez o renascimento no Brasil de uma fase desenvolvimentista.
A Petrobras persiste em invocar a obrigação teórica de essa empresa estatal e ferozmente monopolista encomendar as suas futuras plataformas do fabricante nacional ou internacional mais capaz e mais barato, sem exercícios mais criativos e possíveis de engenharia financeira. Azar da pobre indústria brasileira se esse fabricante fica em Cingapura, caso da P-50, ou na Noruega, talvez, caso da P-51 e da P-52.
Até dezembro, lutar contra tais dogmas será inútil. Mas a indústria de São Paulo faz questão de declarar a sua posição de absoluta identidade com a indústria do Rio de Janeiro, que vem protestando indignada contra a exclusão dos estaleiros e fábricas brasileiros na fabricação das três megaplataformas.
Nessa questão, será útil e bem-vindo, sem dúvida, o florescimento de uma nova doutrina benigna, pró-crescimento e pró-emprego, tanto em Washington quanto em Brasília. Basta notar que a P-50 sozinha representará um gasto de US$ 496 milhões, dinheiro que, presume-se, será extraído dos bolsos dos consumidores brasileiros e corresponderá à criação de 8.000 empregos.
Uma doutrina econômica que pudesse acrescentar à estabilidade da moeda e ao fim da inflação a idéia de que índice de emprego e ritmo adequado de crescimento devem fazer parte das prioridades de um país emergente reforçaria, neste caso, a posição da indústria.
Ao orgulho que os brasileiros sentem pela competência da Petrobras na exploração poderia, assim, somar-se a oportunidade de desenvolvermos um adicional nicho de competência industrial em águas profundas. O Brasil talvez pudesse capturar o ciclo completo das águas profundas, criando capacidade tecnológica e industrial para assumir sozinho todo o trabalho de aproveitamento de jazidas de petróleo em grandes profundidades.
Se a indústria brasileira demonstrará possuir essa capacidade, não se saberá jamais, se for excluída a priori das concorrências da Petrobras. Mas se ela de fato receber as encomendas das megaplataformas, a questão de que precisará do apoio bem planejado do governo, em termos de financiamentos e de proteção tributária, permanece em aberto.
Para isso, justamente, o Brasil precisa imaginar e executar uma política industrial, para colocar o pé num novo patamar tecnológico e entrar numa nova fase de crescimento. Note-se que o país deverá investir, nos próximos dez anos, na cadeia produtiva de petróleo e gás natural, mais de US$ 100 bilhões.
Por isso tudo, e porque o Brasil está prestes a escolher seus caminhos para o século 21, é que o caso das megaplataformas é emblemático. Algumas respostas sobre o nosso futuro como sociedade avançada estarão embutidas nas pernas descomunais dessas enormes e complexas estruturas de aço.


Horacio Lafer Piva, 45, é presidente da Federação e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp).


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