São Paulo, quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Próximo Texto | Índice

Editoriais

editoriais@uol.com.br

Hora da verdade

Decisões do governo na área de política industrial são marcadas por voluntarismo e esbarram na ausência de recursos e de planejamento

Nos últimos dois anos, tornaram-se frequentes as demonstrações de voluntarismo governamental na gestão da economia. Isso é visível especialmente no que se convenciona chamar de política industrial. Talvez movido por uma má interpretação das reais causas da crise financeira de 2008, que teria restaurado a crença no papel dirigista do Estado, o governo deixou a timidez de lado e acelerou o que seria uma nova fase de planejamento estratégico.
São muitos os exemplos de intervenções, em geral justificadas com discursos sobre a necessidade de apressar o amadurecimento do "capitalismo brasileiro". Duas delas refletem com precisão o pensamento econômico que as origina e as restrições práticas que já se apresentam: a pendente operação de capitalização da Petrobras no contexto geral da exploração do pré-sal e o aporte do Tesouro de R$ 180 bilhões para o BNDES.
A descoberta do pré-sal alimentou nacionalismo pouco orientado a resultados e levou o governo a modificar a legislação, em favor de um novo modelo de partilha sob comando mais estrito da Petrobras. Em paralelo, foi definido um plano de investimentos agressivo a ser bancado em grande parte pela própria empresa com recursos que viriam da capitalização. Nesse roteiro, previa-se um índice de nacionalização da cadeia de fornecimento, que deveria atingir 65%.
Os aportes no BNDES, por sua vez, foram originados a partir de endividamento público e utilizados majoritariamente para financiar grandes empresas, inclusive a Petrobras. Reportagem da Folha mostrou que 57% dos recursos ficaram com apenas 12 grupos. É uma operação de alavancagem, com riscos para o contribuinte.
O que os dois exemplos têm em comum? De um lado, a crença na disponibilidade quase ilimitada de recursos, que parece reinar no governo. De outro, a realidade de escassez que não tarda a se impor.
No caso do pré-sal, está cada vez mais claro que podem faltar recursos para os investimentos. Enquanto não sai a capitalização, a Petrobras tem buscado empréstimos até na Caixa Econômica Federal, que forneceu R$ 2 bilhões, o que não é prática usual. E agora vem à tona que a indústria nacional não tem capacidade de suprir a demanda, o que pode reduzir o índice de nacionalização a 35%.
No BNDES o escrutínio da imprensa e de analistas provavelmente impedirá que o Tesouro faça outros aportes, o que implica que, daqui para a frente, novos empréstimos estarão sujeitos às limitações de seu balanço patrimonial, como, aliás, manda a boa prática bancária.
Esses exemplos demonstram que fazer política industrial é mais complicado do que parece. Além de visão estratégica, é indispensável gerir a economia com olhos voltados para a geração de recursos para investimentos. Tais recursos não podem ser criados com malabarismos contábeis ou por decreto. Exigem esforço árduo de poupança interna, inclusive com contribuição, por ora ainda inexistente, do setor público.


Próximo Texto: Editoriais: Fiscalizar as OSs

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.