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TENDÊNCIAS/DEBATES
É necessária uma reforma constitucional?
NÃO
Pacto por ações concretas
MIGUEL REALE JR.
A Assembléia Constituinte foi a
passarela pela qual desfilou a sociedade organizada, em defesa de seus
interesses, do índio ao magistrado, "da
tanga à toga". As corporações como a
magistratura, o Ministério Público, as
polícias Civil, Militar e Federal, os servidores públicos em geral e as Forças Armadas tiveram atendidos os seus pleitos. A Constituição Federal de 1988 é
compromissória, fruto de árdua composição entre idéias e interesses divergentes. Estavam, portanto, os constituintes seguros da não-perenidade de
sua obra. Por isso, convocou-se revisão
constitucional para 93.
Por vários motivos, ela fracassou.
Destaco, contudo, dois: o conluio pela
inércia, pois todos os setores satisfeitos
com o texto constitucional agiam para
que nada se alterasse, e o desinteresse da
Presidência da República, que move em
grande parte o Legislativo.
Uma miniconstituinte criará, como
em 93, um leque de interesses, que dificultará o consenso e redundará em fracasso, mormente se houver desinteresse
da Presidência da República. E quem
será o próximo presidente em 2007? Será a favor ou contra?
Segundo o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, duas questões, entre
outras, justificariam uma miniconstituinte: a reestruturação da Federação e a
segurança pública. Quanto à primeira,
pode se equacionar uma cooperação
entre União, Estados e municípios sem
reforma constitucional. Importante é
tornar firme o pacto federativo, por
meio de agência de controle federal, que
fiscalize e avalie a aplicação regional de
recursos, em face de planejamento estratégico nacional e regional, para que
haja coordenação dos diferentes níveis
governamentais, como sugerem estudos da Fundap. Quanto à questão da segurança, propostas de alteração constitucional enfrentarão interesses corporativos bem organizados. E, enquanto
se discutem mudanças, paralisam-se
ações concretas de integração das polícias e de política criminal.
De outro lado, levantamento do IBGE
traça o retrato do Brasil, o país das grandes cidades, mais de uma dezena delas
com população superior a 1 milhão de
habitantes. A desigualdade está nos
grandes centros e a omissão do Estado
agrava a desorganização social, faltando
Justiça, polícia comunitária, lazer, cultura. Sem paz social, que só a presença
do Estado em ação com a comunidade
pode proporcionar, não há reforma
constitucional que enfrente a questão
da segurança.
Diagnóstico do sistema criminal definiu pontos importantes, que procuramos efetivar no Ministério da Justiça,
com programas iniciados e depois
abandonados quando da nossa saída.
Lembro alguns exemplos.
O convênio assinado, no Palácio do
Planalto, com a CNI, para a criação de
plantões sociais nas delegacias de polícia. A CNI comprometia-se em remunerar estagiários de serviço social e psicologia para atendimento em delegacias
da periferia, onde 70% das ocorrências
são de cunho social. As casas de mediação, sendo ouvidores pessoas da comunidade, estavam previstas em acordo
com os Estados e poderiam produzir
efeitos positivos de harmonia social, como em Fortaleza. A criação de centros
de atendimento médico-legal e psicológico à mulher vítima de violência, especialmente sexual. Lembro também a
ampliação da Defensoria Pública, para
orientação e prevenção de conflitos.
Promovemos, no Ministério da Justiça, encontro até então inédito entre os
ministros da área social, tendo por tema
a violência que vitima a juventude
-56% dos jovens de 15 a 24 anos que
morrem foram vítimas de assassinato.
Na outra ponta, estão os jovens que matam. Por sugestão do ministro Paulo
Renato, arquitetou-se transformar as
escolas de bairros do Rio e de São Paulo
em centros comunitários. Cada ministério traria sua colaboração. Logo depois, pedi exoneração e a idéia morreu.
Por fim, os CICs (Centros Integrados
de Cidadania), que levam a Justiça ao
povo, com a presença conjunta do juiz,
do promotor, das polícias Civil e Militar, do advogado, do assistente social e
do psicólogo, no fundão das periferias
das cidades grandes. A reforma do Judiciário não pode se preocupar apenas em
acelerar processos, pois nada é pior que
a injustiça célere. Reforma do Judiciário
revolucionária é levar a Justiça ao povo
carente por meio dos CICs, em cooperação com a comunidade.
Em outra vertente, a informatização
dos dados criminais, como fora conveniado com o IBGE, e o melhor preparo
do policial são básicos para o sucesso de
investigações. Destarte, há de implementar a modernização da polícia e
uma política criminal de cunho social.
E, para isso, não é preciso reforma constitucional, mas vontade política.
Miguel Reale Júnior, 59, advogado, é professor titular da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário da Segurança Pública (governo Montoro) e da Administração (governo Covas) do Estado de
São Paulo e ministro da Justiça (governo Fernando Henrique Cardoso).
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