São Paulo, sábado, 11 de outubro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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O processo de alta do dólar vai continuar?

SIM

Riscos cada vez maiores para o real

PAULO TENANI

A DEPRECIAÇÃO do real está de volta à pauta, e a tendência para uma moeda ainda mais fraca deve persistir.
Não que o cenário para o real seja tão evidente quanto foi no passado, quando todas as forças apontavam na direção de um real forte. Hoje, existem forças fundamentais apontando tanto na direção de uma apreciação quanto na de uma depreciação da moeda brasileira. À médio prazo, porém, são as forças da depreciação que devem dominar a dinâmica do real.
Pelo lado de um real mais forte, continua o Banco Central do Brasil, pois a Selic segue mais alta que os juros em dólares da dívida externa soberana. Ou seja, com uma Selic de 13,75% e os juros em dólares da dívida externa em 8%, os investidores globais são bem recompensados por tomarem risco cambial no Brasil.
Porém, aqui cabe um senão. Com a crise recente, a taxa de risco Brasil atingiu 4,8% (mínimo de 1,6% em 2007), elevando os juros em dólares da dívida externa para os atuais 8,2% (mínimo de 5,8% em 2007). Ou seja, o diferencial de juros atual, embora ainda favorável ao real forte, não é mais tão generoso quanto no passado.
Pior, um aumento adicional de 1,5 ponto percentual no risco Brasil poderia colocar o real na "zona do perigo do diferencial de juros" -em que os investidores são mal recompensados por seu risco cambial.
Nessa região, a depreciação da moeda brasileira tende a ser mais que proporcional, e o surgimento de bolhas especulativas no mercado de câmbio não pode ser descartado.
Pelo lado do real mais fraco, as forças são várias. Em termos de paridade do poder de compra, o Brasil há muito deixou de ser um país barato, e a moeda brasileira pode ainda estar 30% acima do seu valor justo. Isso não é um cenário confortável para um país cuja baixa produtividade não lhe permite, pelo menos durante muito tempo, ser um país caro.
Em segundo lugar vêm as contas externas. Nos últimos 12 meses, a conta corrente brasileira saltou de um superávit de 0,71% do PIB, em agosto de 2007, para um déficit de 1,45% do PIB, em agosto de 2008 -uma variação de 2,16 pontos percentuais em um ano. Nessa velocidade, um déficit em conta corrente de 3% do PIB ao final de 2009 -acompanhado de um déficit na balança comercial- é uma possibilidade concreta. São números preocupantes.
A terceira força na direção de um real mais fraco é a movimentação do dólar no mercado global -responsável pela recente depreciação da moeda brasileira. Aqui, a lógica é menos direta, mas o argumento é bastante interessante. Até recentemente, a maior parte do ajuste no déficit em conta corrente americano se deu por meio da depreciação do dólar ante as moedas de taxas flexíveis, sobretudo o euro e a libra, mas também o real. As moedas asiáticas, todas com câmbio fixo ou controlado, quase não contribuíam para esse ajuste, que acabou, portanto, ocorrendo mais que proporcionalmente nas moedas flexíveis.
Esse "overshooting" do euro, da libra e do real já está se revertendo.
Ocorre que os países asiáticos agora experimentam uma taxa de inflação desconfortavelmente elevada, o que já representa, por si só, uma valorização real em suas moedas. Além do mais, na Ásia, o cenário de inflação elevada e fortes superávits em conta corrente sugere, cedo ou tarde, uma apreciação nominal de suas moedas.
O lado real da economia americana também começa a contribuir com o ajuste da conta corrente -e os Estados Unidos devem crescer menos do que mundo pelos próximos três anos.
A conclusão é clara. Com as moedas asiáticas e o crescimento dos EUA finalmente contribuindo para o ajuste da conta corrente americana, a pressão excedente sobre as moedas flexíveis -que até agora fizeram a maior parte do ajuste- passa a se extinguir.
Portanto, no atual cenário, o dólar deve se apreciar ante o euro, a libra e o real, enquanto se deprecia ante as moedas asiáticas. Ou seja, mais uma força apontando para um real fraco.
Dadas todas essas forças, os riscos estão aumentando, e o cenário talvez seja de depreciação continuada do real. Afinal, com o Brasil sendo um país caro, o déficit em conta corrente se deteriorando e o dólar se fortalecendo no mercado global, o que dará sustentação ao real quando o Banco Central encerrar o ciclo de aperto monetário?


PAULO TENANI é professor de finanças internacionais da Fundação Getúlio Vargas e autor do livro "Human Capital and Growth".


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