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RUY CASTRO
Instrumento do amor
RIO DE JANEIRO - Outro dia, na
ponte aérea, fui parado no raio-X
do Santos-Dumont por estar "portando" um cortador de unhas. A senhora da esteira não perdoou: ou
eu voltava ao balcão e despachava
o instrumento pontiagudo ou teria
de despejá-lo numa caixa destinada a objetos proibidos de entrar em
aviões. Para não perder o voo, preferi me desfazer dele. E olhe que era
um trim de estimação.
Pois, na sexta última, voltou a
acontecer, só que em Congonhas.
Desta vez, o objeto que eu "portava" era uma caixa de madeira de
36cm x 39cm, contendo um motor,
dois pequenos alto-falantes, um
prato giratório, uma haste equipada com um microestilete de diamante, um pino central e várias roldanas e polias. Além de botões de
liga-desliga, próprios, talvez, para
disparos automáticos, inclusive um
chamado de "automático".
Ao ver a caranguejola -tão bem
embalada por meus amigos Mercia
e Mario Gabbay, que tinham me
presenteado com ela-, as duas jovens do raio-X fizeram a esteira ir e
voltar enquanto discutiam a finalidade do objeto. O qual poderia ser
tudo, desde um instrumento de tortura até uma bomba-relógio ou
uma máquina para fins imorais.
Então, perguntaram-me o que
era. Respondi: "É um toca-discos
Philips, modelo 243, de fabricação
alemã. Tem amplificação própria,
seu prato gira a 33, 45 e 78 rpm, e é
equipado com uma cápsula contendo uma agulha para discos de
vinilite e outra para discos de cera
de carnaúba e guta-percha".
As moças nem piscaram. Insisti:
"Eu sei, parece arma de terrorista.
Mas é um instrumento do amor. Os
pais de vocês já namoraram muito
ao som desse equipamento".
Ao ouvir a palavra equipamento,
elas respiraram e soltaram a esteira, liberando meu subversivo toca-discos. No qual, desde sábado tenho tocado 78s de Stan Kenton, Lionel Hampton e Spike Jones, fazendo o maior barulho a horas mortas.
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