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CLÓVIS ROSSI
Violência e inocência
BRUXELAS- Vista de longe, a guerra
de guerrilhas que o crime organizado
decidiu mover contra o Estado, acoplada à tal "Operação Anaconda",
assusta até mais do que quando se está no Brasil.
Afinal, os dois eventos acima citados são apenas as expressões mais visíveis, mais recentes, talvez mais espetaculares, do apodrecimento da segurança pública, fato que acaba sendo tomado, quando se vive em São
Paulo (ou no Rio, suponho), como
coisas da vida, algo tão inevitável como o nascer do sol todos os dias.
Quando se está longe, mas a volta é
inevitável, o susto é maior, porque
nos damos conta de que não foi no
mundo todo que se tornou inexorável
submeter-se à roleta-russa em que a
violência transformou o cotidiano de
paulistanos e cariocas.
Ao contrário, em países civilizados
há margem até para a inocência. Domingo, por exemplo, um grupo grande de crianças, que pareciam ter entre 8 e 12 anos, pouco mais ou menos,
brincava de roda com seus monitores
em plena Grand-Place, o marco zero
de Bruxelas, talvez a mais linda praça do planeta.
Cantavam, batiam palmas e, de repente, saíam correndo. Mas deixavam no chão da praça mochilas e
agasalhos, aproveitando o fenômeno,
raramente observado em Bruxelas,
de não estar chovendo nem fazendo
um frio obsceno no meio do outono.
Quando voltavam, mochilas e agasalhos continuavam exatamente no
mesmo lugar, intactos.
Que criança, por muito inocente
que ainda fosse, se arriscaria a fazer
algo parecido na praça da Sé em São
Paulo ou na Candelária no Rio? Ou
mesmo em grandes praças de Belo
Horizonte, de Porto Alegre, de Salvador ou de qualquer outra grande cidade brasileira? Ou até em cidades
médias como Campinas?
Dirão os conformistas que é covardia comparar o Brasil com a Bélgica.
Aceito que seja. Mas não é uma covardia maior ainda aceitar que o crime e a violência podem mais que os
cidadãos inocentes?
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