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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
O futuro da
política exterior
Três forças moldam a política
exterior brasileira. A primeira é a
tentativa de abrir mercados para nossos produtos, impulsionada pela fragilidade de nossas contas externas. A
segunda é o desejo, indefinido nos objetivos e frustrado na realização, de
projetar o Brasil no mundo. A terceira
é a mentalidade dos diplomatas brasileiros. Desiludidos e céticos, procuram manobrar as duas outras forças
-negociação comercial e afirmação
nacional- para que cada uma dê brilho à outra.
Logo mais veremos novos exemplos
das virtudes e dos defeitos dessa maneira de atuar. A reação contra a Alca
será usada para obter termos pouco
mais vantajosos dentro de negociação
de âmbito menor. As homenagens ao
Mercosul e à união sul-americana acabarão em esforço para impedir ou para adiar rendição incondicional de
nossos vizinhos aos Estados Unidos. E
a dedicação a alianças sul-sul, fragilizada por divergências entre os aliados
sobre pontos capitais como o dos subsídios agrícolas, terá como resíduo
apressar a ampliação dos debates na
OMC. Muito barulho político será trocado por pouca vantagem comercial.
Devemos dar-nos por satisfeitos?
Alternativa mais ambiciosa depende
de duas condições: projeto interno
forte e política externa que não se reduza à justaposição de mercantilismo
pontual com nacionalismo vago.
Não há política exterior que supra a
falta de modelo consistente de desenvolvimento. Pode abrir espaço. Não
pode preenchê-lo. Perigoso é usar política exterior como compensação retórica para a prostração colonial de
uma política econômica que não se
quer abandonar.
A uma estratégia nacional de desenvolvimento se há de somar uma concepção de política externa que não se
cinja a negociações comerciais. O
ponto em que nossos interesses se encontram hoje com as preocupações da
humanidade é a construção de ordem
mundial mais aberta a pluralismo de
poder e de visão. Daí a necessidade de
fundar alianças com os outros países
continentais em desenvolvimento sobre a base de projeto de reconstrução
da ordem econômica internacional:
substituir a maximização do livre comércio pela reconciliação entre trajetórias nacionais de desenvolvimento
como objetivo do regime de comércio;
defender as práticas de coordenação
estratégica entre poder público e iniciativa privada que continuam indispensáveis ao avanço econômico;
substituir o sistema pelo qual o capital
ganha foros para correr mundo enquanto o trabalho fica encarcerado
dentro do Estado-nação; impedir que
organizações multilaterais como o
FMI sirvam para impor dogmas contestados e interesses estreitos. Daí
também a importância de trabalhar
com as potências médias e com os internacionalistas dentro do Estados
Unidos para conter a hegemonia americana, co-garantindo os interesses vitais de segurança dos Estados Unidos,
mas impondo àquele país preço crescente pela interpretação unilateral daqueles interesses.
Dos grandes países em desenvolvimento, o Brasil é hoje o que goza de
maior margem de manobra. Não saberá aproveitá-la se não casar uma
idéia de seu próprio futuro com a antevisão de um mundo transformado.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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