São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Mudança do clima, Estado e Prêmio Nobel

LUIZ PINGUELLI ROSA


Não podemos controlar os fenômenos naturais, como a atividade solar. Assim, nos resta controlar os sociais, pelo princípio de precaução

QUALQUER TEORIA é refutável, caso contrário, ela não é científica, segundo o filósofo da ciência Karl Popper. Mas o artigo de José Carlos Azevedo na Folha de 13/ 10 ("Qual temperatura?", "Tendências/Debates") cita o presidente da República Tcheca, que não tem base para refutar o aquecimento da Terra devido à emissão de gases para a atmosfera, como o CO2 da combustão de carvão, petróleo e gás natural.
O presidente tcheco, cristão-novo convertido ao capitalismo, ataca os ambientalistas em nome do mercado livre, que conduziu o mundo à crise financeira desencadeada nos EUA.
Paul Krugman, Nobel de Economia de 2008, critica essa ideologia. O controle da poluição também exige intervenção do Estado para regular a produção e o desperdício das camadas de maior renda. A Convenção do Clima da ONU foi ratificada pela quase totalidade dos Estados, mas o neoliberalismo radical de Bush o levou a não ratificar o Protocolo de Kyoto.
A relação que o artigo faz entre a origem do movimento ambientalista e o Estado nazista, com o argumento de que a expressão "meio ambiente" foi usada por um biólogo que era nazista, é ilógica. Seria o mesmo que associar ao nazismo as relações de incerteza da mecânica quântica só porque Heisenberg, que as formulou em 1927, tornou-se depois diretor de pesquisas no governo Hitler.
Azevedo considera o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, na siga em inglês) menos autorizado cientificamente que um grupo dissidente nos EUA. Entretanto, entre os autores do último relatório do IPCC está o Nobel de Química de 1995, Mário Molina, que convidei pouco antes de ser premiado pela teoria sobre os buracos na camada de ozônio no topo da atmosfera para um seminário no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ.
Os dissidentes atribuem o aquecimento global aos raios cósmicos e à atividade solar. Mas isso está considerado no 4º relatório do IPCC, de 2007, como efeitos naturais, que não explicam quantitativamente a temperatura da Terra sem incluir a contribuição humana. Como não podemos controlar fenômenos naturais, nos resta controlar os sociais, pelo princípio de precaução.
O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas contribui para a formulação de um plano de ação do governo, que inclui a redução do desmatamento, a maior fonte de CO2 no Brasil. Já para reduzir a atividade solar, não há o que fazer.
O artigo diz que efeitos naturais explicam o aquecimento global, mas afirma que não há como computar nem como medir a temperatura média da Terra. Ora, o que explicam, se nada pode ser previsto?
Embora a previsão do tempo só possa ser feita com margem de erro aceitável por curtos períodos, o estudo do clima não se confunde com a previsão meteorológica. Ele trata de médias estatísticas dos comportamentos possíveis da atmosfera em longos períodos, apesar de o tempo em um dia determinado ser imprevisível após poucas semanas, pois a atmosfera é um sistema caótico. O caos determinista, verificado por Lorenz nos anos 1960 na computação para a previsão do tempo, foi teorizado por Poincaré há mais de um século.
É complicada a determinação da temperatura média da Terra, e o artigo de Azevedo a ironiza ao falar no número de telefone médio, somando todos os números de um catálogo telefônico e dividindo a soma pela quantidade de telefones catalogados.
Isso não significa nada. Entretanto, podemos tomar os quatro primeiros dígitos, que codificam as estações por bairros. Se tomarmos telefones de duas estações do Rio -2294 (Leblon) e 2596 (Engenho de Dentro)- e calcularmos a média somando todos os códigos dessas duas estações na lista, se ela for menor que (2294 + 2596)/2 = 2.445, então há mais telefones (fixos) na estação do Leblon do que na do Engenho de Dentro. Nesse caso, sim, a média dá uma informação.
A base da teoria do efeito estufa vem de Fourier, em 1824, e Arrhenius, em 1895. Sem ele, a Terra seria muito fria, logo foi benéfico à vida.
Mas o alto consumo de combustíveis fósseis tem aumentado a concentração de CO2 na atmosfera e o degelo de geleiras perenes indica que a intensificação do aquecimento global tornou-se maléfica.


LUIZ PINGUELLI ROSA , 66, físico, é diretor da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Foi presidente da Eletrobrás (2003-2004).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Adib D. Jatene: Hospitais de excelência e filantropia

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.