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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Caetano é "neguinha"
SÃO PAULO - "Marina é Lula e é
Obama ao mesmo tempo. Ela é
meio preta, é cabocla, é inteligente
como o Obama, não é analfabeta como o Lula, que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro." Diante da
ira que provocou nos companheiros, Caetano Veloso voltou ontem
às páginas de "O Estado de S. Paulo"
para comentar esse trecho da entrevista que havia concedido.
O compositor lembrou que o próprio Lula se vangloria da sua fala
pouco instruída e que é forte inclusive por isso. E avisou aos petistas:
"Dizer que FH era mau governante
e Lula é bom é maluquice. Ambos
foram conquistas brasileiras importantes. Marina seria um passo à
frente". Sobre esse último ponto,
podemos brincar: "menas, menas".
De resto, os embates entre Caetano e a esquerda remontam aos anos
febris do tropicalismo. É duvidoso
que o lulismo seja de esquerda, mas
Caetano, de novo, se põe à esquerda
da esquerda, dando mais um nó no
coro dos "progressistas": "Detesto
essa mania de que nada se pode dizer que não seja adulação a Lula".
Quem teve a felicidade de ver seu
show no fim de semana pôde presenciar a homenagem a Neguinho
do Samba, negro semianalfabeto,
um dos fundadores do Olodum na
Bahia, morto há poucos dias: "Influenciou mais a mim e provavelmente a vocês da plateia do que a
obra inteira de Lévi-Strauss. Isso é
o que eu teria a dizer aqui sobre
analfabetismo e preconceito".
O ápice, porém, foi a interpretação de "Eu Sou Neguinha?" -acompanhada no palco por uma gestualidade que valorizava de maneira ostensiva e lúdica a interrogação sobre a identidade sexual do cantor.
Caetano é um dos maiores artistas brasileiros -isso já é sabido.
Mas é também um espírito livre e
um intelectual incomum num sentido muito preciso (e talvez o único
verdadeiramente precioso): sempre está no debate público de sua
época sem subordinar convicções e
ideias a cálculos táticos ou conveniências políticas. Ousar pensar pela própria cabeça, sem a tutela do
grupo ou medo da patrulha da
maioria: por que não? Por que não?
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