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CLÓVIS ROSSI
Milhões
CUSCO - Desço do táxi na Plaza de Armas, o imenso retângulo que é o
centro de Cusco.
Dois garotinhos se aproximam. Alcides, o maiorzinho deles, 12 anos talvez, cor de cobre típica dos "cholos",
os mestiços de indígenas com brancos, pergunta de que país sou e, ao
ouvir a resposta, recita direto, quase
sem tomar fôlego: "Brasil, capital
Brasília; o presidente é Lula; o melhor jogador é Ronaldinho".
O recital é dado na expectativa de
uns trocados para "comprar pollo"
(frango). Espero os outros jornalistas
brasileiros que cobrimos a 3ª Cúpula
de Presidentes da América do Sul, e o
grupinho em volta vai aumentando.
Agora, há também meninas e um garotinho mirradinho, que diz se chamar Jorge e cuja altura mal passa dos
meus joelhos, mas vivíssimo.
No álacre bolo de gente miúda, alguém recita: "Estados Unidos, capital
Washington". Pergunto quem é o
presidente dos Estados Unidos. "Clinton", responde a menina, com leve
defasagem na decoreba a recitar para turistas. "Não, é Bush", ensina o
minúsculo Jorge.
Pergunto quem é o presidente do
Peru. Todos sabem que é Alejandro
Toledo, mas ninguém parece gostar
dele. Preferem Alberto Fujimori, o canastrão que teve de exilar-se no Japão depois de mil escândalos.
"Com Fujimori, a gente podia trabalhar; agora não", explica Alcides.
Trabalhar? "É, vender cartões-postais", diz o menino.
Insistem em que lhes pague o "pollo", com seus olhos tristes.
Antes de dar-lhes o dinheiro para o
"pollo", faço Alcides jurar que vai repartir com todos os nove companheiros. Pega o dinheiro e dispara praça
abaixo, seguido de Jorge, o menor,
seu irmão, no meio dos carros.
Entro no restaurante pensando na
mitológica Evita Perón e em uma de
suas frases mais famosas e repetidas,
quando já estava doente: "Volveré y
seré millones".
É, são mesmo milhões. Milhões de
Alcides e Jorges perdidos nas noites
da América Latina.
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