São Paulo, segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

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A coalizão política e o PMDB

MICHEL TEMER


Essas idéias podem parecer ingênuas, mas nelas insisto para mudar as tradicionais formas fisiológicas de composição política


NO CENÁRIO político, há dois momentos distintos: o momento político-eleitoral e o momento político-administrativo. O primeiro é pré-eleitoral; o segundo, pós-eleitoral. No primeiro, os partidos lançam candidatos, contendem, disputam votos, oferecem programas ao eleitorado; no segundo, há os vencedores e os derrotados. Ambos, no entanto, hão de cumprir uma outra etapa constitucional.
Situação e oposição coexistem na democracia para governar. A primeira, oferecendo projetos que deverão ser aprovados e executados; a segunda, fiscalizando o conteúdo desses projetos, propondo modificação ou rejeição, formulando novas propostas, acompanhando e fiscalizando a execução com todas as críticas que se fizerem necessárias. Ambas, situação e oposição, terão por objetivo o bem comum, cuja busca há de pautar-se pela correção administrativa e ética.
Quero dizer: a oposição não existe para se opor a toda e qualquer proposta feita por quem governa. A sua atividade, embora fiscalizadora, é a de governar. É assim na democracia, a fim de que não haja uma vontade única de um único grupo ou de um único indivíduo, mas que se verifique o contraponto necessário de outro grupo com vista a impedir o autoritarismo que tipifica os governos absolutistas.
O governo não é de um só, mas de todos. Essa é a essência da democracia. Toda a estrutura constitucional é montada de acordo com essas premissas. Veja-se o exemplo do Legislativo, órgão inaugural da atividade executiva e judiciária. Inaugural pois determina a atuação dos outros dois Poderes. O Executivo executa, dá, administra o determinado pela lei; o Judiciário julga segundo a lei.
A Constituição ordena ao Legislativo, como órgão impulsionador da atividade estatal, o critério da proporcionalidade na estruturação de todos os seus órgãos internos. Na Mesa Diretora, nas comissões temporárias e permanentes, todas as forças políticas terão representação, a fim de que a vontade da sociedade multifacetada possa manifestar-se.
Leia-se o que está escrito na Constituição, art. 58, parágrafo 1º: "na constituição das mesas e de cada comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa". No parágrafo 4º, tratando da comissão representativa do Congresso, repete-se a regra da proporcionalidade da representação partidária. Tudo para revelar o critério democrático e participativo de nossa estrutura constitucional.
Com essas preliminares, vou ao caso do PMDB. Não lançou candidato à Presidência da República. Diante disso, seus membros ficaram liberados para apoiar a candidatura presidencial que desejassem. Com a liberação, dividiu-se o apoio. Basicamente, entre os dois candidatos que foram para o segundo turno. Reeleito o presidente Lula, fez ele a proposta de uma coalizão política para governar o país. Sugeriu-a ao PMDB, publicamente, pessoalmente e institucionalmente.
Entendamos o que é coalizão. É mais típica do parlamentarismo que do presidencialismo. Significa junção de forças políticas que governarão juntas. Um partido político vence as eleições com o seu candidato, mas não faz a maioria no Congresso. Daí o convite a outros partidos para que, juntos, governem. Não se trata de aliança eleitoral, mas de pacto governamental. Veja-se o que aconteceu com o governo parlamentarista alemão, quando situação e oposição se reuniram para compor o governo.
A composição não deve basear-se na distribuição de cargos, mas na formulação e execução de projetos compatíveis com o pensamento do partido que se alia. Em se tratando do PMDB, o governo ofereceu a coalizão baseada em pontos programáticos amplamente divulgados e submetidos à apreciação do Conselho Nacional do partido, que aprovou os termos propostos com o compromisso de pormenorizar os itens.
Cumpri meu dever como presidente do partido. Como tal, devo exprimir a opinião do PMDB dada pelo órgão competente para expressá-la. Se o PMDB for chamado para a execução desses projetos, deverá ser responsável pelas políticas públicas que lhe forem entregues, respondendo por seu sucesso ou insucesso.
Sei que se dirá que o PMDB está atrás de cargos e benesses governamentais. Compreendo essa forma de pensar e reconheço que é difícil mudar essa concepção, porque as composições governamentais sempre foram feitas dessa maneira. Espero que, agora, não seja assim e penso que o governo não quer que assim seja.
Desejamos que o PMDB, formulando ou executando, ajude o país a crescer econômica e socialmente, atitude que sirva para mudar a cultura político-partidária do país, estabelecendo alianças governamentais programáticas, numa espécie de presidencialismo-parlamentarista. Talvez essas idéias possam parecer ingênuas ou irreais, dentro da cultura política do país, mas é nelas que quero insistir para modificar as tradicionais formas fisiológicas de composição política.

MICHEL TEMER , 66, advogado e professor de direito constitucional da PUC-SP, é deputado federal (PMDB-SP) e presidente nacional do partido. Foi presidente da Câmara dos Deputados e secretário da Segurança Pública (governos Montoro e Fleury) e de Governo (gestão Fleury) do Estado de São Paulo.


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