São Paulo, sábado, 11 de dezembro de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Ateísmo e delírio

SÃO PAULO - As imagens de Charlie Chaplin e de Adolph Hitler estão lado a lado. Abaixo do criador de Carlitos está escrito "não acredita em Deus"; abaixo do líder nazista, "acredita em Deus". No alto, o slogan: "Religião não define caráter".
Essa é uma das quatro propagandas que a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) estaria veiculando, desde ontem, em ônibus de Porto Alegre e de Salvador.
Poderíamos logo brincar e dizer: nos ônibus brasileiros, talvez seja melhor ir na companhia de Deus... Piada à parte, seria fácil inverter a lógica da propaganda, opondo, por exemplo, Madre Teresa de Calcutá (a religiosa) a Joseph Stálin (o ateu).
A Atea argumenta, em seu site, que pretende diminuir "o enorme preconceito que existe contra os ateus e caminhar rumo à igualdade plena entre ateus e teístas". Certo.
Mas a Atea, com sua campanha, parece cultivar uma espécie de religião dos descrentes, de igrejinha dos sem fé. Mais do que isso, ao copiar um tipo de propaganda que teve início na Inglaterra, em 2009, a associação de ateus importa para o país um problema postiço, que não é nosso, pelo menos nesses termos.
Isso fica muito claro numa das peças publicitárias, especialmente agressiva. A imagem mostra o avião mergulhando, prestes a se espatifar contra uma das torres gêmeas, enquanto a outra já está em chamas. Ao lado se lê: "Se Deus existe, tudo é permitido" -inversão da frase famosa de Dostoiévski, nos "Irmãos Karamazov" ("Se Deus não existe, então tudo é permitido").
O 11 de Setembro foi obra de extremistas religiosos, todo sabemos. Mas também sabemos que quase todas as pessoas que acreditam em Deus reagiram ao ataque com horror indignado. Será que precisamos desse ateísmo apelativo, subsidiário da doutrina bélica de Bush?
Não vamos, por favor, transformar a descrença em Deus num delírio, para parafrasear Richard Dawkins. Quem fala aqui é um ateu convicto, que convive muito bem com o fato de pertencer a uma minoria.


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