São Paulo, segunda-feira, 12 de janeiro de 2004

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PAINEL DO LEITOR

Bobbio
"Praticamente o último intelectual de esquerda, Norberto Bobbio, que morreu na sexta-feira passada, deve ter entrado em coma completamente decepcionado com a guinada vergonhosa do mundo -e mesmo de muitos de seus colegas intelectuais- para a direita nesta década. Bem que em sua lápide se poderia rabiscar esta sua conhecida sentença: "Quanto mais a sociedade é atrasada, mais os intelectuais são retóricos, ideólogos abstratos, desprezadores das técnicas, exaltadores de um saber contemplativo, que se gaba da própria total inutilidade. Mesmo os que são ou que parecem mais progressistas, são mais humanistas que técnicos, especialistas em disputas teóricas que não movem nem sequer uma folha na frondosa árvore social"."
Ezio Flavio Bazzo (Brasília, DF)

Contradições sociais
"As afirmações de Nigel Andrews, do "Financial Times", em "Salvação pelo samba" (Ilustrada, 6/1) são muito pertinentes, apesar do ponto de vista estrangeiro. Ao lê-las, é impossível não refletir sobre o imperialismo cultural, sobre o triste dueto "pão e circo" e sobre a função social das artes, entre outras questões. Em muitas épocas e culturas, a arte foi e continuará sendo veículo de denúncia social. Não se pode negar o valor social de livros como "Vidas Secas" e de filmes como "Cidade de Deus". Mas tais obras são também veículos da própria arte -com um fim em si próprias, de acordo com suas linguagens. Atribuir às artes a aura messiânica de corrigir vícios nacionais, como a pobreza e a violência, é delegar ao Estado um papel de coadjuvante. É o Estado responsável, e não paternalista, que deve, por meio de políticas sociais coesas, ser o autor de mudanças em relação a uma melhor distribuição de renda para que se garanta a tão sonhada diminuição das contradições sociais."
Silvana Santos Rocha (Belo Horizonte, MG)

Dignidade
"Acabo de perder um ente querido. Entretanto uma das coisas que me deram mais desgosto foi vê-lo "largado", já sem vida, em uma maca numa minúscula sala de um pronto-socorro na cidade de Embu das Artes (SP). Não pude fugir destas reflexões: superávits primários recordes, congressistas sendo convocados nas férias para realizar o que não fizeram no período normal e recebendo, por essa inócua convocação, dois salários -proventos esses que tiveram um reajuste de mais de 40% no ano passado- etc. Enquanto isso, as pessoas mais carentes não recebem um pingo de dignidade nem em sua morte."
Emerson Rodrigues Brito (São Paulo, SP)

República sindicalista
"Na vigência do regime militar(1964-85), cinco pastas ministeriais, da área militar, eram privativas de oficial-general. Esporadicamente um militar, reformado ou agregado, exercia cargo em escalão superior no âmbito dos demais ministérios. De acordo com o texto "Lula dá emprego a mais de 40 sindicalistas" (Brasil, 11/1), 12 ex-sindicalistas atualmente são ministros e 32 figuram em vários escalões do Executivo, ocupando cargos de secretário, de assessor especial, de diretor e de presidente de estatal, entre outros -cumpre notar que um general da ativa ocupa ministério no governo. Pode-se constatar então que, depois da Velha República, da ditadura Vargas, da Nova República, do regime militar, da República Nova, temos finalmente a "República Sindicalista", aquela tão almejada pela esquerda. Jango deve estar sorrindo na tumba."
Paulo Marcos Gomes Lustoza, capitão-de-mar-e-guerra, mestre em ciências navais pela Escola de Guerra Naval (Rio de Janeiro, RJ)

Lula, o nosso Walesa
"Alguém mais chegado a Lula deveria lembrá-lo de que, há apenas alguns anos, um sindicalista como ele foi manchete na mídia global ao chegar a governar o seu país, a Polônia. Era Lech Walesa, do sindicato Solidariedade. Após seus 15 minutos de fama, ele sumiu do mapa, já que, na hora da verdade, nada de excepcional conseguiu durante seu governo e hoje (nem sei se ainda vive) amarga um ostracismo de fazer dó. Lula deveria tomá-lo como exemplo, lembrar que já não é mais presidente de sindicato e evoluir, pois até agora mostrou ser apenas um deslumbrado. Julga-se um messias, pois sai mundo afora querendo palpitar em problemas de outros países. Está confundindo a obrigação diplomática de governantes de recebê-lo bem com a crença de que isso se dá porque seria um estadista."
Laércio Zanini (Garça, SP)

Agenda das Américas
"Sobre o artigo "Uma nova agenda para as Américas" ("Tendências/Debates", 11/ 1), do secretário de Estado dos EUA, Colin L. Powell, pergunto se é ledo engano ou estamos perdendo definitivamente a soberania -se é que um dia a tivemos? De acordo com o secretário, eles pressionarão para que se institua "testes regulares para monitorar os alunos". Esse assunto deveria estar sendo discutido com os professores e com a comunidade estudantil. Quem somos? O que somos? Acaso títeres? O sistema não tem incluído nossas posições acerca da educação. O MEC e o CNE fazem o que bem entendem, nos representam sem nos consultar. Pena que Louis Althusser não esteja mais aqui para ter certeza de que o estruturalismo tem vingado até na América Latina. Os professores, daqui a pouco, terão a função de estoquistas, se é que já não a têm. Faremos grandes estoques do que nos fornecem e os repassaremos aos estudantes. Robotizados, não mais poderemos filosofar."
Modesta Trindade Theodoro, professora do ensino fundamental (Belo Horizonte, MG)

Cuba
"Ao seguir em direção ao aeroporto internacional de Havana, aqueles que estão saindo de Cuba vêem um enorme painel com a seguinte frase: "Nesta noite, 500 milhões de crianças, em todo o mundo, dormirão com fome. Nenhuma delas é cubana". Para um país que sofre há mais de quatro décadas com um rígido bloqueio econômico instituído pelos EUA, esse é um dado de suma importância, pois demonstra que, apesar das inevitáveis dificuldades enfrentadas pelo governo revolucionário do presidente Fidel Castro, o povo cubano conseguiu atingir parâmetros invejáveis em termos de conquistas básicas de cidadania, principalmente em saúde e educação. De nada adianta a campanha difamatória capitaneada pelo imperialismo norte-americano na imprensa internacional. Cuba demonstra com fatos que não abrirá mão do direito inalienável de decidir os seus destinos com coragem e independência."
Júlio Ferreira (Recife, PE)

Véu
A possibilidade de a França proibir o uso do "hijab" (véu islâmico) nas escolas pode ser o primeiro incidente sério na integração dos 11 milhões de muçulmanos que vivem na Europa -sendo que 5 milhões vivem naquele país. Isso é intolerância religiosa. O que há de errado com o fato de as mulheres muçulmanas usarem seus véus? Isso nos faz crer que exista forte discriminação em relação aos seguidores do Corão. Todos, sem exceção, devem ter liberdade nos ditos países democráticos. E a França sempre esteve inserida nesse contexto. Caso se confirme esse absurdo, será lastimável a demonstração de perseguição explícita do governo francês."
Fernando Al-Egypto (Petrópolis, RJ)



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