São Paulo, quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Operibus credit et non verbis *

JOSÉ DO NASCIMENTO JUNIOR

Não tenho um caminho novo. O que eu tenho de novo é um jeito de caminhar.
(Thiago de Melo)

O país vive um momento muito particular: depois de longo tempo, tem a possibilidade de constituir, olhando para o futuro, uma visão de nação planejada, alicerçada em políticas que viabilizem a inclusão de vastas camadas da população nos parâmetros de cidadania e que se expressa, entre outros fatores, pela democratização do acesso aos bens culturais.
A história da política cultural brasileira pode ser dividida em quatro ciclos bem definidos, marcados por iniciativas diversas de criação de uma imagem de nação, tendo o governo como indutor de ações culturais: na chegada da família real, no reinado de d. Pedro 2º, no período getulista e na ditadura militar.
Em termos da construção da política cultural no país, estamos agora no quinto ciclo, que, diferentemente dos momentos anteriores, tem na democracia a sua gênese. A atitude democrática se reflete na elaboração do Plano Nacional de Cultura e na implantação do Sistema Nacional de Cultura, que articularão os setores do governo e da sociedade civil em uma nova prática de gestão da cultura, constituindo um modelo público republicano, em contraposição à velha dicotomia do estatal versus privado.
O conjunto das políticas públicas de cultura tem sido percebido como fator de desenvolvimento econômico e de inclusão social, o que implica o reconhecimento da cultura como área estratégica para o desenvolvimento do país. Nessa perspectiva, o que se pretende é a geração de um superávit cultural decorrente da adoção de políticas transversais integradas entre as áreas da educação, saúde e cultura.
O debate deve avançar para uma reflexão acerca do papel do Estado, o qual, mantendo-se isento do "dirigismo" e da interferência no processo criativo, deve assumir plenamente seu papel no planejamento e no fomento da produção da cultura, na preservação e valorização do patrimônio cultural do país e na estruturação da economia da cultura, considerando sempre em primeiro plano o interesse público e o respeito à diversidade cultural.


Em termos da construção da política cultural no país, estamos no quinto ciclo, que tem a sua gênese na democracia

Esses têm sido os parâmetros com os quais o Ministério da Cultura tem trabalhado: ampliação das bases de atuação e cumprimento do seu papel de órgão gestor da cultura nacional, criando instrumentos de organização, democratização e fomento das diversas áreas do seu âmbito de atuação.
É extenso o conjunto das ações já implementadas pelo Ministério da Cultura na constituição de uma política cultural plural, democrática e descentralizada, coerente com a complexidade constitutiva da sociedade brasileira, pelas quais ficará marcada a atual gestão.
Estão nele incluídos os Pontos de Cultura, o Projeto Pixinguinha, a criação das câmaras setoriais (artes visuais, circo, dança, livro, literatura e leitura, música e teatro), a criação do Sistema Nacional de Cultura, a realização da Conferência Nacional de Cultura, a reorganização do Iphan, a melhoria da eficiência do Programa Monumenta, a criação e a implantação da Política Nacional de Museus, o projeto Fome de Livro.
A incorporação, nas políticas de cultura, das expressões da cultura popular, das culturas indígenas, de gênero e de livre orientação sexual e o apoio efetivo à cultura das comunidades quilombolas e afrodescendentes resultam das diretrizes adotadas para o fomento à cultura, bem como o estímulo às indústrias criativas, a adoção do sistema de editais para a distribuição de recursos, a sintonia entre estatais e políticas culturais, os avanços orçamentários, a expansão da captação de recursos pela Lei de Incentivo à Cultura, a previdência dos trabalhadores da cultura e a ampliação da Política de Audiovisual.
A difusão da cultura brasileira no âmbito internacional produziu resultados, como o Ano do Brasil na França, a Copa da Cultura e a atuação conjunta Brasil-França-Espanha em prol da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural.
Cada uma dessas ações origina extensos conjuntos de dados, cuja enumeração tornaria este artigo demasiadamente longo.
Poderíamos ainda citar outras conquistas, como a gratificação concedida aos funcionários da cultura e a realização do concurso público para o MinC, que permitirá o preenchimento de mais de 450 vagas para diversas áreas, sendo o primeiro concurso desde da criação do ministério, há 21 anos.
Há ainda, sem dúvida, um longo caminho a percorrer, mas as ações realizadas sob a coordenação do ministro Gilberto Gil são passos para a consolidação de uma política de cultura integrante do programa de governo do presidente Lula, que tem sido cumprido.
Essas são conquistas de fato, e é nessa perspectiva que se deve encarar o futuro das políticas de cultura em nosso país. Considerando que em todas as áreas da gestão pública a comparação e o debate são instrumentos indispensáveis e saudáveis para a formação de opiniões, recomendo como fonte de inspiração a frase de Cervantes: "Operibus credit et non verbis".
* Acredite nas obras, não nas palavras.

José do Nascimento Junior, 39, antropólogo, mestre am antropologia da política, é o diretor de Museus e Centros Culturais do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), autarquia vinculada ao Ministério da Cultura.

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